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“Quem conta um conto aumenta um ponto.” Esse adágio popular abre uma discussão prazerosa: a definição e origem do conto contemporâneo. De início, é preciso dizer que o conto é um dos gêneros textuais de maior amplitude. Conta-se, na França, que Gustave Flaubert, o grande romancista contemporâneo de Madame Bovary, pergunta ao seu patrício Guy de Maupassant, contista emérito, qual o melhor conto que ele lera. A resposta vem rápida : “Sem dúvida, caro amigo, foi ‘Angústia’, de Anton Tchekov”. Essa narrativa curta exibe uma frase bastante insólita na abertura: “A quem falaria de minha tristeza?” Mas não nos precipitemos; é salutar voltar e repensar o tema. O que é um conto? Suas origens? Os leitores nunca contaram um conto?

Suas origens se perdem nas idas e vindas do tempo. Não se pode precisar onde e quando surgiu. Em verdade, ampliando a investigação, chegaremos ao princípio da história da cultura ocidental. Pode parecer estranho, mas o conto nasce, remotamente, com o Homo sapiens. Primeiro, na forma oral; depois, na forma escrita. Neste caso, os pesquisadores chegaram até uma narrativa egípcia de 4 mil a.C., chamada O Livro Mágico. A obra está envolta nas brumas das origens. Desde os primeiros tempos, o homem vem “contando” fatos e temas do cotidiano. Como faz até hoje.

Tchekov está entre os maiorais de todos os tempos e o conto “Angústia” é uma obra-prima

Do ponto de vista puramente literário, essa narrativa curta está situada entre o romance e a novela. Desta maneira, estamos a dizer que esse modo de narrar surge com a invenção da escrita. Trata-se da mais curta das narrativas. Difere, no entanto, da novela porque não tem capítulos. Há um só núcleo dramático. Em torno desse núcleo (tema do conto) não surgem capítulos como os dos romances, com seus subtemas ou subenredos. O conto se parece com várias outras formas do gênero narrativo. A maioria das narrativas começa com o clássico “era uma vez...”.

Os franceses continuam a conversar. Maupassant, criador do personagem de horror Horla e de Uma aventura parisiense e outros contos de amor, se junta a Flaubert, autor de Três contos. Os dois conversam discretamente, sentados à mesa de um café. Falam de Tchekov.“Realmente”, diz Flaubert, “o tema é bastante vasto e até disperso”. “Pois, caro amigo, o fato é que esse gênero está bem representado pelo nosso companheiro russo.” (e, a partir dele e com ele, pode-se inserir Dalton Trevisan, ora recolhido ao claustro da justa fama).

No autor de O Monge Negro podem ser vistas as sombras da cultura milenar russa, em clima denso, brumoso e trágico. Ao fim, constata-se que o russo está entre os maiorais de todos os tempos e o conto “Angústia” é uma obra-prima. Dalton bebeu na cacimba do russo? Certamente! E é bom incluir também o nosso realista Machado de Assis.

Em “Angústia”, narrativa curta do livro A Aposta, o clima é trágico porque o autor segue a tradição dos outros autores realistas russos, como Dostoievsky. O contista cria, por isso, um apelo profundo de caráter moral que nos angustia e impacta com a historieta de apenas dez páginas.

O protagonista é Jonas Potapof. Ele presta serviços de cocheiro de trenó, na cidade de Moscou. Da primeira linha à última, o infeliz tenta conversar sobre a morte recente do filho, Cosme Jonitch, com os clientes que o abordam. Foram cinco tentativas. Entre uma corrida e outra, esse homem dilacerado vaga em meio ao populacho e indivíduos de todas as classes. As pessoas estão envolvidas com seus múltiplos afazeres; sofrem, pois, da doença da civilização: a pressa. Ninguém quer ouvi-lo porque, por certo, todos já têm suas cruzes para suportar. Depois de muitas tentativas abortadas, e com seu desespero aumentando a cada gota azeda de amargura, encerra o expediente e volta para casa.

É bom salientar que, durante o trabalho do dia inteiro, Jonas não consegue ganhar nem uns míseros copeques (subunidade monetária do rublo) e comprar aveia para o cavalo. O clima torna-se insuportavelmente trágico, capaz de levar alguém a se afogar nas lágrimas que rolam pela face de Jonas. Ao chegar a casa, à noite, desatrela o cavalo do trenó e dos arreios e se põe a falar para o equino. Só depois disso seu espírito se aquieta.

Flaubert e Maupassant, ambos também bons contistas, apressam o passo para voltar. Ao passar um trenó de aluguel, Flaubert dispara uma expressão chula: “A vida é uma caca!” Maupassant, fleumaticamente, reitera que o conto em pauta é magnífico. Caro leitor, a quem comunicarás a tua tristeza? Tens filho e cavalo? Vem para mais perto ouvir o lúgubre desfecho da própria boca do protagonista: “‘É assim mesmo, irmão cavalo... não existe mais Cosme Jonitch (...) Mandou-nos viver muito tempo e foi morrer à toa’. O rocim escuta, mastigando, e sopra na mão do dono. Então, arrebatado, Jonas põe-se a contar-lhe tudo”.

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