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É hoje a votação do “Brexit”, no referendo que decide se a Grã-Bretanha continua ou não na União Europeia. O que parece prestes a ocorrer será, na verdade, apenas uma nova expressão política de uma separação cultural muito antiga.

Muitos se esquecem de que a França e a Alemanha – ou, antes, os franceses e os alemães, já que os países na conformação que os conhecemos hoje são muito recentes – têm culturalmente muito mais de comum que de diferente. Os alemães faziam parte dos “francos”, de quem Carlos Magno era imperador. Este, aliás, teria nascido na atual Bélgica ou na atual Alemanha, e foi em Aachen, nesta última, que passou grande parte da vida e faleceu. A França e a Alemanha, unidas, perfazem novamente o reino supranacional dos francos.

Culturalmente falando, a Grã-Bretanha é um estranho no ninho europeu

Do mesmo modo, o Reino Unido da Grã-Bretanha – Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte – é uma velha unidade cultural e organizacional muito anterior ao surgimento dos nacionalismos modernos. A nossa querida Península Ibérica de origem, igualmente, deve muito de sua cultura à intensa imigração dos visigodos, de origem alemã.

Separar a Grã-Bretanha dos descendentes de francos e visigodos não é nem poderia ser um retorno aos nacionalismos xenófobos que levaram aos horrores das guerras europeias (ditas “mundiais”) de 1914 a 1945, como muitos apregoam, numa técnica de pavor que pode acabar se tornando contraproducente. A tentativa fracassada de separação da Escócia em 2014 ainda poderia ser lida nesta chave, mas não é este, em absoluto, o caso do Brexit. Não se trata de um retrocesso do internacional ao nacional, mas do retorno de uma expressão cultural multinacional muito mais antiga e tradicional, que aliás causa problemas enormes à própria União Europeia.

Culturalmente falando, a Grã-Bretanha é um estranho no ninho europeu. O cerne da União Europeia é uma região cultural e administrativa que já teve vários nomes. Em outros tempos, ela já foi o Império Romano do Ocidente, o Reino dos Francos, o Sacro Império e o Primeiro Império Francês, entre outros, e no século 20 tentou ressuscitar novamente como União Europeia. A Grã-Bretanha sempre foi cobiçada por este poder centro-europeu, e chegou a ser parcialmente dominada pelos romanos, que pararam justamente na fronteira de Inglaterra e Escócia que se quis separar novamente em 2014. Culturalmente, contudo, ela nunca fez parte dele, chegando no máximo a ser uma colônia periférica e problemática. A organização política, cultural e econômica da Grã-Bretanha sempre foi própria, sendo suas formas europeias frequentemente muito superficiais. Faria sentido uma reunião da Grã-Bretanha e Estados Unidos, mas a União Europeia tem mais a ganhar estendendo-se para leste que para oeste.

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