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| Foto: Vanderlei Almeida/AFP

Freud, o primeiro cocainômano famoso, dizia que a droga fazia dele um super-homem. De lá para cá, é comum que os viciados relatem a mesma sensação, que paradoxalmente convive com o enfraquecimento total do viciado, que acaba por tornar-se pele e osso, incapaz de trabalhar ou mesmo de conviver em sociedade.

Creio que, de uma certa maneira, a dependência que hoje as sociedades ditas desenvolvidas têm da energia elétrica é em muitos aspectos semelhante ao vício em cocaína. O Japão, por exemplo, mesmo sendo o único país a sofrer bombardeios atômicos, mesmo tendo vasta área de seu pequeníssimo território contaminada pelo acidente de Fukushima – que, aliás, continua a despejar radioatividade no mar em escala industrial –, continua a religar, uma após uma, as usinas atômicas que desligara após o acidente. É como um viciado que realmente acha que vale a pena perder a casa e a família para cheirar mais um grama ou fumar mais uma pedra.

A eletricidade é coisa prática e útil. A dependência que as sociedades atuais desenvolveram dela, nem tanto

Pelo mesmo dilema, ainda que de maneira menos dramática, passa o Brasil, com suas hidrelétricas que inundam vastas áreas de floresta e termelétricas poluentes e caras. Tento esquecer a usina nuclear de Angra, situada estrategicamente entre as duas maiores cidades do Brasil, para que pelo menos uma delas, se não ambas, tenha de ser evacuada se algo der errado. Ah, sim: o nome indígena do lugar onde edificamos tal armadilha é “Itaorna”. Significa “pedra podre”.

A eletricidade é, certamente, coisa prática e útil. A dependência que as sociedades atuais desenvolveram dela, todavia, nem tanto. Em termos de história, ela surgiu agora, neste minuto. Enorme parcela das edificações hoje em pé foi levantada antes que o uso da eletricidade se tornasse comum; grande parte das árvores urbanas de nossas cidades também foi plantada quando a eletricidade era apenas uma curiosidade de feiras de ciências.

Mas hoje não conseguimos mais viver sem ela. Dependemos dela para tudo, da comunicação à logística de transporte e cultivo de alimentos, da vida doméstica às artes. Sem eletricidade, a sociedade para. Sem eletricidade não há internet (outra novidade, e esta tão recente que só agora chegam à maioridade as primeiras crianças nascidas quando ela já existia), não há compensação bancária, não há mercados, não há transportes, não há, em suma, civilização. Uma sociedade que levou 6 mil anos para chegar aonde chegou descobriu-se subitamente, aos 47 minutos do segundo tempo, viciada em uma forma de energia.

Há alguma solução para este vício? Não sei. Mas sei que certamente há, sim, um problema sério. Bem dizem os que trabalham com viciados: o primeiro passo é necessariamente reconhecer que o problema existe. E ele está aí, na nossa cara. Dando choques, até.

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