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Uma segunda-feira sem amanhecer em Curitiba, semana passada. Névoa insistente, viscosa, sombria, não cedia. Foi-se a manhã, hora do almoço, tarde passou e ela não, escurecendo a noite também. Típica Curitiba, dirão. Dias assim, chumbados, quase brancos, sem céu, só chuvisco, chuva, tempestade, frio, enfim, ainda acontecem, eu sei, mas não tanto como antigamente, nem tão intensos como segunda passada. Mas aquela nuvem opressora – perdoem o linguajar militante, mas a imagem é boa, a bruma tinha a aparência e consistência disso tudo aí que ofende tanta gente – não era apenas mais um clichê curitibano, era a forma de todos eles.

Lembrei-me, não sem saudade, das idas à escola na infância. O trajeto era sempre o mesmo, passávamos por uma ladeira íngreme. Em dias de neblina pesada ela parecia ter desaparecido, apenas mergulhávamos onde ela deveria estar, sem nada enxergar, salvo quando chegávamos ao fim da descida e ao rés do chão se revelava que nem tudo fora engolido por aquele quase nada cinzento, para logo sermos tragados por ele mais uma vez, quando decolávamos para o alto. Como dias assim não eram incomuns, seria conveniente associar à introspecção, o mau humor, a desconfiança, essas coisas aí que faziam do curitibano um ser “fechado”. Se ainda é, não sei, parece que já não pega bem recusar conversar no elevador. Eis que me descubro mais próximo de um Dalton Trevisan que dessa curitibanagem do novo milênio que não sei bem o que é, quem são, como vivem, do que se alimentam – e tenho raiva de quem sabe.

Eis que me descubro mais próximo de um Dalton Trevisan que dessa curitibanagem do novo milênio

Decidi revisitá-lo, mergulhando n’O Vampiro de Curitiba, lendo de um fôlego só. Nelsinho, o Delicado, continua o mesmo, a névoa combina bem com ele, realmente, também a atmosfera sufocante, a curitibanice dantanho. Fez-me lembrar de umas revistas literárias curitibanas que andei lendo poucos anos atrás, trazendo novos escritores locais, nem recordo os nomes, das revistas e autores, só da presença onipresente do arquétipo daltoniano, sempre sombrio. Em alguns, o molde era explícito, paternidade aceita, amada, ainda que fosse nítido devessem ser outros escritores, ter outros modelos. Em alguns, porém, a influência trazia tensão, angústia, apesar do modelo prevalecer, sufocando. Enfim, a mesma névoa tornando todos iguais. Como escapar?

Não escapando, mas indo até o fundo, até lá onde a névoa não alcança, como no conto final do livro, “A Noite da Paixão”. A cerração satírica do sacrifício de Cristo não cobriu tudo, não se completou. Nelsinho suspendeu o passo na penúltima linha do conto, sentindo a terra tremer a seus pés. O “Sou inocente, meu Pai” com que o conto termina seria apenas mais uma provocação, não fosse esse Pai maiúsculo ali, reverência única no livro todo, que não redime, mas também deixa de se condenar, no fim das contas. Não li a obra toda de Dalton, mas desconfio não tenha outro conto assim, com um fiapo de esperança nesse negrume desesperançado. Tomara eu esteja errado.

E não é que na terça, e por toda a semana, a neblina não apareceu, salvo de manhãzinha? Um frio daqueles, dias límpidos, céu de azul infinito e profundo, com sol distante de raios suaves. Foi irresistível, tive de passar pela ladeira da infância. No som do carro, Johnny Cash, o da fase final da carreira, cantando que, se pudesse começar de novo, ele encontraria o caminho. Aumentei o volume quando arremeti o carro ladeira acima. No banco do passageiro, o livro do vampiro. Trouxe comigo, achei precisava tomar um pouco de sol.

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