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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Quando Gabriel disse a Maria que ela seria mãe de Jesus (Salvador), estava falando em nome daquele a quem o futuro pertence. O cronista hebdomadário ora tem a pretensão de ser o portador da anunciação, ora trata do passado como se fora o próprio Deus, pois dele se sente dono e pode dar-lhe o sentido que quiser. Sobre o presente, o que há para dizer? Tudo está a acontecer, tudo pode ser e nada ainda é. O tempo tríbio de Gilberto Freyre, no qual ontem e amanhã são extensão de hoje.

Nas letras distraídas que vão maculando a alvura da tela, ideias ordinárias e extraordinárias se entrelaçam para, ao longo dos anos, se tornarem um estilo, marca distintiva do autor que está no passado, antes do papel que chega às bancas ou é lançado pelo motoqueiro na madrugada. O jornal, sobre a mesa do café matutino do vetusto senhor que guarda o hábito de meio século, é o presente e as notícias, comentários, análises, caricaturas, o entroncamento do que foi e será.

Como fazer estátua de bronze do pequeno jornaleiro se até o trabalho juvenil está proibido?

Na tela do telefone que o moço do ônibus examina viciosamente sem parar, o jornal é sentido como mera informação. Desmaterializado, barateado porque não há mais poderosas rotativas que ocupam grandes galpões, não há transportes na alvorada, bancas para entregar. O jornal imaterial carece de charme, cheiro, e não há expectativa do leitor para saber o que as páginas no dia seguinte estamparão. Do teclado do jornalista, salta instantaneamente para as mídias eletrônicas. Como fazer estátua de bronze do pequeno jornaleiro se até o trabalho juvenil está proibido? Como serão os monumentos do futuro? Uma pessoa concentrando o olhar sobre retângulo de vidro e plástico?

O jornal exige paixão. É trabalho, mas não apenas isso. Há sensação de que os leitores são parceiros de epopeia, odisseia e aventura. Os jornalistas laboram contra o relógio, concorrem para ter as melhores informações e a maior capacidade informativa. Os cronistas deixam a semana correr até o desespero do prazo e da inspiração. Nada vinha até o vinho. Súbito, torvelinho de linhas e palavras-chave que podem ser grande coisa ou só mais uma semana.

Caros leitores, passaram-se oito anos presente na Gazeta. Por minha iniciativa, pedi alforria. Sim, havia escravidão ao prazer de pensar, conjecturar, encontrar as palavras e as orações certas em construções frasais idiossincráticas. Decidi me libertar do relógio, do calendário. A falta de obrigação pode degenerar em ócio improdutivo, mas uma cachaça de rolha, um dia pra vadiar, um céu que não tem tamanho, arco-íris no ar, o diz-que-diz-que macio que brota dos pinheirais. Então, tudo resolvido.

Os reptos agora são outros. Vou a eles com alegria e incertezas próprias da vida de qualquer pessoa que sabe ter destino semelhante aos dos outros, mas também sabe que, no detalhe, é o estivador de suas cargas.

A anunciação é despedida e agradecimento. À Gazeta, por ter me acolhido nas suas páginas; aos leitores, em suas mentes, o espaço mais nobre da humanidade.

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