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É proibido proibir

Pichada nos muros de Paris em maio de 68, a oração, que se tornou modismo do pedagogicamente correto, carrega em si uma contradição lógica: ela é proibição. Sim, proíbe o ato de proibir. Pretextando liberdade, suprime a liberdade de divergir, estabelecer limites e, nessa medida, é profundamente autoritária.

Ora, direis, quimera do adolescer, não programa de ação. Sim, é possível que essa leitura amena corresponda à inconsequência juvenil de quem fez de 68 o ano sem fim. Contudo, das muitas interpretações possíveis, o elã das barricadas na Cidade Luz magnetizou gente importante nas franjas da periferia e o autoritarismo ínsito na proibição à proibição, travestido de libertário, ganhou foros de programa de ação e educação. Aquilo que poderia ser apenas farra de primavera passou a ser ideia condutora do modo angustiado de viver sem saber o certo e o errado, sem bússola moral.

Os caquinhos do velho mundo devem ser esquecidos ou colados? Quebrou, não tem mais jeito, diz Marina Lima. Não se trata de voltar atrás. Não há passado dourado a resgatar. Trata-se de ir ao futuro por outro caminho, fazendo opções que tenham em consideração os erros. O mosaico dos fragmentos do passado serve para cometer novos erros, sem insistir naqueles já conhecidos.

Conservadorismo é persistir cego aos efeitos danosos da eliminação da autoridade da lei, dos genitores, professores, velhos, das precedências das damas, do respeito silencioso no corredor do hospital, da cortesia de não pôr os pés sobre o encosto do assento da frente no cinema.

Antigamente a maternidade vinha aos 16 anos e se votava a partir dos 25. Hoje, os filhos chegam depois dos 30 e o voto, com 16. A igualdade política não faz dos alunos, professores; da criança, adulto; do ignorante, sábio. Cada nova geração é horda bárbara a ser civilizada. Se subitamente todos os maiores de 10 anos morressem, os sobreviventes voltariam ao Paleolítico e a civilização teria de ser refeita ao longo de muitos milênios. A autoridade dos transmissores da cultura não é colidente com a consideração da igualdade em humanidade.

A hierarquia etária, desigualdade de matiz temporal (juventude e senectude), é transitória. Não é ser, é estar desigual até que a maturidade assegure autonomia física, emocional, financeira, intelectual. Assenta nessa desigualdade a autoridade para proibir, obrigar, permitir condutas no seio da família e da comunidade.

Sem o reconhecimento da autoridade, difuso por todo o tecido social, resta o Estado. À falta da hierarquia na família, busca-se o socorro do Leviatã, concentrando-se imenso poder, indo na contramão da democracia. O Estado, pessoa jurídica sem emoções, é chamado para acalentar crianças, dar boas maneiras a jovens, ralhar com moleques arteiros. Triste o admirável mundo novo.

Nesse maio que se inicia, os efeitos de 68 estão mais claros, especialmente a percepção de que renunciar à autoridade dentro da família cria problemas, não soluções. Com a licença poética de Antonio Carlos e Jocafi, o quadradismo dessa prosa se dirige aos intelectos que usam a razão como expressão, porque a ausência de proibições dá azo a que tudo seja proibido.

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