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Velhas palavras podem ser usadas para designar situações novas, mas também é possível compor novas palavras para identificar novidades. Essa é a ideia com a palavra que encima o texto: dizer que há algo de mágico na maturidade. É certo, envelhecer não equivale necessariamente a amadurecer. É possível envilecer ao longo do tempo, isto é, acentuar a vilania. Porém, a regra é que o envelhecimento do corpo seja acompanhado pela maturação da mente que passa a ser mais reflexiva e menos reativa. Essa combinação é a senectude, não no sentido de decrepitude, mas de apogeu da vida.

O fato novo é o impressionante aumento da média de vida de populações inteiras. Até meados do século XX os velhos tinham quarenta anos e a morte aos cinquenta era rotineira. A velhice precoce, estorvada por uma série de doenças, não permitia a maturação das ideias de grandes grupos de pessoas. Num mundo de jovens, se apreciavam apenas os encantos juvenis: vigor físico, impetuosidade, arrojo. É certo, só se conhecia a velhice feia, sedentária, chocha, sem glamour. Cadeira de balanço, tricô e dominó compunham a tríade semiótica da terceira idade. A intensidade do contraste marcou a cultura de gerações consecutivas e a atribuição do valor positivo à juventude e negativo à senectude se tornou pré-lógica, quase como se fossem apresentados pêsames antecipados a quem cruzava os 40 anos de idade.

As quatro décadas não eram um divisor etário, uma meia-idade verdadeira. Eram o penúltimo ponto antes do fim da linha. Assim, os quarentões se auto-compungiam com a sensação de que a viagem estava no fim e não valia a pena inventar atividades físicas e intelectuais diante da iminência da morte. Essa moldura cultural ainda existe e condiciona o pensamento social, mas é colidente com o fato estatístico do alongamento do período de vida com boa qualidade. Para apreciar o período mais longo da vida é preciso romper com esse preconceito.

Infância, adolescência, juventude, senectude. A vida em quatro atos. O último é extenso demais para ser mal encenado. Urge vivê-lo efusivamente, com emoções e intelecção aceleradas. A atividade gerativa de riqueza (não necessariamente trabalho estafante) tem altíssimo valor para a pessoa que age e para a sociedade que colhe frutos pela saúde de seus membros e pelos valores que eles criam.

Pode-se fazer cômputo aproximativo, não exato, sobre o efeito da vida longa no acúmulo de conhecimento individual e coletivo. As facilidades tecnológicas que marcam a nossa rotina são fruto do somatório e síntese do conhecimento adquirido por gerações. Se uma pessoa mantiver atividade intelectual por um século, poderá elaborar e refinar ideias em quantidade e qualidade ainda não aferidas. Basta imaginar milhões de idosos pensando, estudando, oferecendo os bens culturais que amealharam no curso das décadas, para perceber o salto geométrico do estoque de capital humano que a senectude pode trazer.

Quando as atividades produtivas exigiam vigor físico, a velhice era um problema econômico. Atualmente as máquinas podem fazer o trabalho pesado e as pessoas idosas têm espaço para atuar na produção de bens e serviços, aplicando o extenso aprendizado emocional e intelectual que a senectude trouxe. A velhice é um valor positivo, não negativo.

Enunciar essas ideias menos de duas semanas após o Natal – barba branca, barriga saliente – soa como uma tola ode ao fato consumado e irreversível da queda dos músculos diante da força da gravidade. Ora, a lamúria faz a pessoa passar a vida com os olhos no espelho retrovisor. Trinta, quarenta anos olhando para trás é tempo demais para um não-viver.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.

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