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Faz dois anos a região central da Itália foi sacudida por terremoto. L’Aquila, cidade monumento, ruiu e morreram 300 pessoas. O Ministério Público da região levou à barra do Tribunal cientistas que estiveram reunidos em seminário seis dias antes do sismo e avaliaram que não havia perigo de grande monta. Imputa-se a eles homicídio por negligência e imprudência porque apresentaram informações imprecisas e contraditórias.

Em 1600, em Roma, Giordano Bruno foi condenado a morte por Tribunal Eclesiástico, acusado de heresia porque fazia pesquisa astronômica e afirmava que havia milhões de sóis, planetas e que provavelmente havia vida inteligente lá fora. Década depois, Galileu se manteve vivo porque contemporizou diante da Inquisição. A ciência foi ao banco dos réus porque trazia conhecimento que derrogava dogmas.

Dogmas (asserções insusceptíveis a questionamento), mitos, crendices, formavam ambiente intelectual de infalibilidade. Tudo era, ao fim e ao cabo, assentado nos predicados divinos, dentre eles a perfeição. Todos os messias, profetas, apóstolos, portavam "verdades" independentes da aderência aos fatos. A ciência demonstrou a falibilidade humana, trazendo a certeza de que o conhecimento é finito e a ignorância, infinita, na feliz expressão de Popper. De certa forma, saímos do egocentrismo pueril e confortável da insciência para a agorafobia da noção da insignificância ante a infinitude do universo. Ignaros, pensávamos ser o centro; migalhas de informação foram suficientes para percebermo-nos como pó de estrela e, mais que isso, a inexistência de centro, de começo, meio e fim. Quanto mais se sabe, mais se tem certeza de que o ainda desconhecido é muito, muito grande.

Sabe-se o suficiente, graças a Galileu, para computar tempo, energia, amplitude de uma onda no mar, ar ou terra. A energia em movimento pode brotar na entranhas onde placas tectônicas atritam. Milhares de pequenas ondas sísmicas percorrem o planeta todos os dias. Daí à catástrofe há grande distância. Sistemas complexos, com milhões de interações entre seus elementos e a presença de aleatoriedade tornam metafísica a tarefa de prever eventos e comportamentos.

Os sismólogos italianos se conduziram como cientistas ao anunciar que os pequenos tremores não prenunciavam com certeza o grande desastre. O estado atual da ciência não permite prognóstico mais seguro do que o obtido em tarô ou búzios. Se dessem alarme com base em evidências e não ocorresse o tremor destrutivo, seriam execrados pelos prejuízos, susto e perda da credibilidade.

A acusação do Ministério Público italiano tem conotação de exigência inquisitorial às avessas: agora se exige que a ciência tenha dons divinos, dentre eles, a onisciência. Heresia, nesse contexto, é o cientista não saber. Antes, a condenação por pensar contra Deus; agora, por não agir como um deus. O rigor metodológico do cientista o impede de padecer da hipergnose e de ter respostas para tudo.

E o que é senão ignorância, de todas a mais reprovável, acreditar saber aquilo que não se sabe, indagou Sócrates por ocasião de seu julgamento. Só sei que nada sei e admito que a imperfeição é ínsita à condição humana. Homo imperfectus.

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