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Acordo no meio da noite fria para escrever. Antes, porém, vou ao quarto de meu filho ver se tudo está bem: se ele está coberto, se ele está confortável, se não precisa de nada – essas coisas de pai. Então ele me diz, no meio do sonho, sem abrir os olhos: "Tem de rimar!" É isso mesmo que vocês leram. "Tem de rimar!" Estaria o Pedro, que ainda tem 4 anos e não sabe escrever, dando lições de poética às 3 da madrugada?

Vou ao computador e ouço a valsa de Arrigo Barnabé, compositor que Londrina revelou ao mundo, numa versão com a voz miraculosa de Livia Nestrovski. É a canção que leva o nome da cidade, uma espécie de segundo hino local (e devo dizer que o hino oficial e o hino do Londrina Esporte Clube também são muito bonitos).

A valsa de Arrigo diz: "E a noite descia tranquila / E a noite envolvia Londrina". Noto que os dois versos fazem uma bela rima toante. Um dia, talvez, o Pedro venha me dizer no meio da madrugada: "Faça rima toante!" Enquanto isso não acontece, vou escutando os hinos da cidade e escrevendo nos horários mais estranhos.

A rima toante – em que só as vogais tônicas coincidem – é praticada por alguns de nossos melhores poetas, como Ivan Junqueira e Miguel Sanches Neto. Penso que o mesmo conceito pode ser aplicado além da poesia. Por exemplo, para explicar o amor que as pessoas vindas de fora têm por esta cidade. Nós, forasteiros – e estou em Londrina há 25 anos! –, fazemos com a cidade uma rima toante que serve perfeitamente à música de nossa vida na Terra Vermelha.

Em outro verso da valsa, Arrigo diz ainda: "O rádio anunciava a Ave Maria". Outro dia visitei o museu com o Pedro e descobri que existiu, há muitos anos, um musical radiofônico chamado Ave Maria de Londrina. Dias atrás, quando mencionei a beleza do céu de Londrina, uma amiga comentou: "É o manto de Nossa Senhora". Recordei-me da música tantas vezes cantada na infância paulistana: "Azul é teu manto, branco é teu véu". Estamos cobertos pelo manto de Maria: não tenha medo, filho.

Está explicado por que às vezes, nas manhãs mais bonitas, eu sinto que Londrina chega a doer. Por um instante, meu coração fica menor: é a saudade do Céu. Talvez isso explique também a melancolia dos poentes vermelhos, algo que sinto desde a infância, quando nem sabia da existência de Londrina. É uma tristeza estranha, irmã da alegria eterna. Uma rima toante anunciada por um menino, no meio da noite, no meio do sonho, no meio do milagre de viver.

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