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Alemã tenta arrancar pedaços do Muro de Berlim, em novembro de 1989. Os cidadãos que usaram marretas e outras ferramentas para derrubar o muro aos poucos ficaram conhecidos como “Mauerspechte” (pica-paus de muro).
Alemã tenta arrancar pedaços do Muro de Berlim, em novembro de 1989. Os cidadãos que usaram marretas e outras ferramentas para derrubar o muro aos poucos ficaram conhecidos como “Mauerspechte” (pica-paus de muro).| Foto: Jean-Philippe Lacour/AFP

Em novembro de 1989, os burocratas do Partido Comunista da Alemanha Oriental buscavam uma solução para o caso dos alemães orientais que tentavam chegar ao Ocidente pela Hungria, que havia aberto sua fronteira com a Áustria, e desenharam novas regras, afrouxando apenas ligeiramente as exigências para a saída temporária do país e permitindo pontos de tráfego entre as duas Alemanhas, incluindo certas passagens entre Berlim Ocidental e Berlim Oriental. Mas o que ocorreu depois escapou completamente às previsões dos líderes comunistas: uma série de respostas imprecisas de um porta-voz em uma entrevista coletiva deu a entender que todo alemão oriental poderia ir para o lado ocidental a partir daquele momento. Foi a senha para que a população da parte comunista se aglomerasse nos postos de passagem ao longo do Muro de Berlim, exigindo a abertura dos portões. Do outro lado, eram aguardados com comida, flores e champanhe. Não demorou para que os alemães começassem a derrubar o muro propriamente dito.

Três décadas atrás, graças a um “acidente de percurso” provocado por um burocrata mal informado, a população da Alemanha Oriental cumpriu o pedido que Ronald Reagan havia feito a Mikhail Gorbachov dois anos antes, e começou a conquistar a liberdade que os povos sob a Cortina de Ferro desejavam havia décadas. Tentativas anteriores tinham fracassado. O levante húngaro de 1956 e a Primavera de Praga, em 1968, pereceram sob os tanques soviéticos. O movimento polonês pela democracia em 1981 foi suprimido por uma lei marcial. Mas os buracos no dique comunista começaram a aparecer aos poucos, a partir de 1985, com a perestroika (“reestruturação”) e a glasnost (“transparência”) defendidas por Gorbachov. A queda do Muro de Berlim foi um catalisador para que também as ditaduras fossem caindo, às vezes de maneira pacífica, como na Revolução de Veludo tcheca; ou de forma violenta, como na Romênia, onde a revolta popular terminou com a execução do ditador Nicolae Ceaucescu. As Alemanhas se reunificaram em 1990. A linha-dura ainda tentou uma sobrevida com o golpe de agosto de 1991 contra Gorbachov, mas perdeu a guerra: em dezembro daquele ano, a União Soviética deixou de existir, ao mesmo tempo em que também a Iugoslávia se fragmentava.

O Muro de Berlim caiu, mas a ideologia que ajudou a construir o império soviético continua sua trajetória de destruição

Não poderia haver outro fim para um regime assassino, responsável por dezenas de milhões de mortes, que se propõe a suprimir as liberdades mais essenciais, aniquilando as individualidades em benefício do Estado, erodindo as células mais básicas da sociedade e criando desconfiança mútua – só com o fim do regime comunista, muitos alemães descobriram que amigos e até parentes tinham sido membros ou colaboradores da Stasi, a polícia política secreta da Alemanha Oriental. Mas há prisões mentais das quais é muito difícil escapar. Enquanto vários dos antigos países comunistas abraçaram as liberdades democráticas com entusiasmo, e prosperaram graças a elas, em outros há recaídas – seja ideológicas, de volta ao socialismo, seja autoritárias, retomando a tradição de “governos fortes”. A própria Rússia é caso emblemático, com Vladimir Putin, um ex-agente da KGB, dominando a política local há 20 anos e suprimindo a dissidência sem nenhum escrúpulo.

E, fora da antiga Cortina de Ferro, a ideologia que ajudou a construir o império soviético continua sua trajetória de destruição. A China já rivalizou com a União Soviética pela liderança no mundo comunista, e hoje usa seu pujante crescimento econômico para convencer o mundo a fechar os olhos à manutenção de uma ditadura feroz. Também três décadas atrás, poucos meses antes da queda do Muro de Berlim, os chineses promoviam o massacre da Praça da Paz Celestial; hoje, seguem reprimindo protestos por democracia – como tem ocorrido em Hong Kong – e promovem violência contra minorias étnicas, além de usar a tecnologia para monitorar seus cidadãos nas mídias sociais e desenvolver técnicas de reconhecimento facial para controle político que teriam maravilhado os alemães da Stasi.

Além da Ásia, também a América Latina foi terreno fértil para ditaduras comunistas e socialistas. Os cubanos sofrem desde 1959 com o regime assassino instaurado por Fidel Castro, que quase lançou o mundo em uma guerra nuclear ao receber mísseis soviéticos em 1962 e se tornou o centro da desestabilização política na região, financiando guerrilhas que tentariam levar a ditadura de esquerda a outros países, inclusive o Brasil. Em 1990, enquanto o socialismo desmoronava na Europa, os socialistas latino-americanos criavam o Foro de São Paulo para articular a esquerda na região e buscar por aqui a hegemonia política perdida no Leste Europeu. Membros do Foro governam ditatorialmente na Venezuela e na Nicarágua, além de Cuba. Na Bolívia, Evo Morales se apega ao poder em um processo eleitoral cheio de irregularidades. E, no Brasil, os agora soltos Lula e José Dirceu já se encontraram, com o ex-ministro buscando a radicalização do discurso e falando na “retomada do governo”. Ainda há muitos lugares onde os ventos que trouxeram a liberdade na Alemanha de 30 anos atrás precisam continuar soprando.

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