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Em decisão unânime, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, formada pelos ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Celso de Mello, inocentou a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), o ex-ministro Paulo Bernardo e o empresário Ernesto Kugler das acusações de corrupção e lavagem de dinheiro. Durante a sessão, os ministros ainda consideraram a possibilidade de condenar Gleisi por crime eleitoral de caixa dois, mas também essa proposta foi derrotada, por três votos a dois. A decisão foi baseada em um entendimento que, embora legítimo, pode prejudicar demais o combate à corrupção.

Na acusação feita pela Procuradoria-Geral da República, Gleisi teria recebido R$ 1 milhão do propinoduto da Petrobras para ajudar a bancar sua campanha ao Senado, em 2010. O relator do caso, Edson Fachin, defendeu que não caberia condenação por lavagem de dinheiro, pois o crime havia sido tipificado apenas em 2012; além disso, a acusação de corrupção passiva não se sustentaria pois Gleisi ainda não tinha cargo público quando do suposto crime – daí a opção do relator pela condenação por caixa dois, e que acabou derrotada.

O que mais pesou para que a Segunda Turma inocentasse o trio, no entanto, foi a dificuldade da PGR em elaborar um conjunto probatório que fosse além das delações premiadas do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, do doleiro Alberto Youssef e do advogado Antonio Pieruccini. A documentação apresentada tinha sido produzida pelos próprios delatores, e Dias Toffoli afirmou que a jurisprudência do Supremo excluía esse tipo de prova. Assim, sobrariam apenas os relatos.

Os crimes de corrupção estão entre aqueles cujos autores mais se esforçam para apagar quaisquer rastros documentais

E, no entendimento dos ministros da Segunda Turma, as discrepâncias entre os três relatos seriam suficientes para impedir uma condenação. O advogado da senadora, Rodrigo Mudrovitsch, citou, por exemplo, divergências entre Costa e Youssef a respeito de quem teria recebido a solicitação de dinheiro – o doleiro disse ter sido informado pelo diretor da Petrobras, enquanto Costa disse o inverso; ambos, no entanto, concordavam que o pedido teria vindo de Paulo Bernardo. Os delatores, ainda por cima, haviam mudado versões ao longo do processo, como nas referências de Youssef sobre como teria sido feito o pagamento.

Delações são encaradas com mais cautela que testemunhos comuns porque o delator tem um interesse quando decide falar – como o de reduzir a própria pena. Mas o que fazer quando as delações convergem nos pontos-chave, ainda que haja divergências pontuais? Esse debate se deu na 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região em um dos processos contra o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. O relator, desembargador João Pedro Gebran Neto, considerou que essa convergência consistia “prova acima de dúvida razoável”, enquanto seus dois colegas, Victor Laus e Leandro Paulsen, discordaram, absolvendo Vaccari e revertendo uma decisão do juiz Sergio Moro.

O entendimento de Gebran nos parece o mais correto neste caso. Os crimes de corrupção estão entre aqueles cujos autores mais se esforçam para apagar quaisquer rastros documentais. Quando um grupo suficientemente numeroso de envolvidos converge em seus depoimentos a respeito da existência de um ato de corrupção, não há por que desconsiderar essa confluência, ainda que os depoimentos se contradigam sobre aspectos acessórios (o que, aliás, ajudaria até a desmontar quaisquer suspeitas de um complô entre delatores). No caso julgado agora pelo STF, por exemplo, os três delatores concordavam na afirmação de que efetivamente teria havido o pedido de propina, e o relator Fachin disse ser possível “concluir que houve o recebimento de pelo menos uma das quatro parcelas de R$ 250 mil em espécie”.

Leia também: As contradições dos que criticam a delação premiada (artigo de Bruno Calabrich, publicado em 3 de fevereiro de 2016)

Leia também: O Supremo, esse outro conhecido (editorial de 31 de maio de 2018)

Não há como considerar o entendimento da Segunda Turma do STF incompatível com a Constituição, mas também não podemos avaliá-lo como a decisão mais adequada; trata-se de uma interpretação mais garantista do peso que se deve dar a delações premiadas que convergem nos aspectos essenciais e à documentação que os acompanha – um conjunto probatório, aliás, que nem sempre pode ser produzido quando se trata de crimes de corrupção, já que os próprios corruptos se empenham ao máximo em não deixar rastro algum. E é justamente por isso que essa interpretação pode prejudicar o combate à ladroagem, ao exigir o que nem sempre a acusação será capaz de entregar, mesmo que faça um trabalho tecnicamente perfeito.

Por fim, independentemente das avaliações sobre o resultado do julgamento de Gleisi Hoffmann, é certo que ele desmonta uma das narrativas preferidas do petismo desde o julgamento do mensalão: o de que o Supremo age como corte política, empenhada em perseguir especialmente o PT. Obviamente, se a senadora fosse condenada, a carta do vitimismo já estaria pronta na manga para ser sacada; como não o foi, diz-se que “a justiça foi feita”. Nada surpreendente, levando em conta o hábito recorrente do petismo de avaliar pessoas, comportamentos e instituições com um único critério: se beneficiam ou prejudicam o partido e seus chefões.

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