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Sessão de 16 de junho da Câmara dos Deputados, quando foram aprovadas mudanças na Lei de Improbidade Administrativa.
Sessão de 16 de junho da Câmara dos Deputados, quando foram aprovadas mudanças na Lei de Improbidade Administrativa.| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

No momento em que o país necessita desesperadamente de sinalizações firmes dos três poderes no fortalecimento do combate à corrupção, a maneira como a Câmara dos Deputados aprovou mudanças na Lei de Improbidade Administrativa chega a ser acintosa. O ritmo acelerado imposto à tramitação do Projeto de Lei 10.887/18, graças a um acordo entre o presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), e líderes partidários, atropelou os trabalhos de uma comissão especial e permitiu pouquíssimo debate sobre o tema. A versão final, votada e aprovada na quarta-feira, dia 16, foi apresentada em cima da hora e, se por um lado alterou trechos muito ruins de versões anteriores, por outro lado continuou merecendo muitas críticas de autoridades empenhadas no combate à ladroagem.

A Lei de Improbidade Administrativa foi proposta em 1991 e aprovada em 1992 com o objetivo de conter o mau uso dos cargos públicos, já indiscriminado à época. No entanto, na tentativa de oferecer uma resposta satisfatória à sociedade, o legislador acabou deixando muitas formulações em aberto, permitindo interpretações subjetivas e que levaram a abusos da parte dos órgãos de controle. Um exemplo já citado neste espaço é o caput do artigo 11 da lei, que define como ato de improbidade administrativa “qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”. Não é raro que alas mais ideologizadas do Ministério Público, por exemplo, acabem acionando gestores com base nesta lei simplesmente por discordarem de políticas por eles executadas. Como resultado, prefeitos, governadores e secretários Brasil afora simplesmente abrem mão de agir, mesmo quando necessário, por medo de acabarem responsabilizados, já que as condenações por improbidade administrativa levam a penas severas.

O prejuízo causado pelas mudanças na Lei de Improbidade Administrativa é maior qualquer benefício trazido pelos trechos que buscam coibir o “apagão das canetas”

Para eliminar o fator subjetivo na interpretação da lei, o relator Carlos Zarattini (PT-SP) acrescentou ao artigo 1.º um parágrafo determinando que “Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário”. Além disso, recuou da infeliz ideia de suprimir todo o artigo 11, o que também eliminaria uma série de atos específicos descritos nele; em vez disso, reescreveu o caput, que ganharia a seguinte redação: “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa, que viole os deveres de honestidade, imparcialidade e legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas”. Assim, o conceito ficaria delimitado às atitudes descritas nos incisos que se seguem.

Também ligada a questões de subjetividade ou objetividade da lei é a discussão sobre o grau de intencionalidade exigido para se configurar a improbidade administrativa. A redação atual da lei não faz distinção nenhuma entre ações dolosas ou culposas, mas Zarattini acabou levando o pêndulo para o lado oposto ao exigir a comprovação da intenção explícita de obter vantagem para que haja caso de improbidade. Com isso, passou-se do que muitos veem como um rigor excessivo para a leniência excessiva, já que ficam livres da responsabilização até mesmo casos nos quais ocorre o que a Medida Provisória 966 (que infelizmente caducou sem ser votada no Congresso) chamou de “erro grosseiro”, definido como “o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”. Teria sido possível, por exemplo, estabelecer gradações na pena para diferentes níveis de responsabilidade do gestor, aprimorando a lei atual sem afrouxá-la; mas Zarattini preferiu manter sua ideia original, a despeito da repercussão negativa que ela despertou.

Em alguns outros temas, no entanto, o relator recuou: em vez de abrandar penas, como pretendia inicialmente, elas foram ampliadas; os prazos prescricionais mais curtos, muito criticados, foram alterados. Mas as concessões neste sentido foram pouquíssimas e insuficientes, o que levou autoridades com ampla experiência no combate à corrupção a continuar criticando os substitutivos redigidos por Zarattini. É o caso dos procuradores Deltan Dallagnol e Roberson Pozzobon, que integraram a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba – Dallagnol chamou a aprovação de “o maior marco da impunidade dos atos de improbidade na história” e, no Twitter, elencou uma série de mudanças que prejudicarão a responsabilização de maus gestores.

O saldo dá razão aos críticos. O prejuízo causado pela supressão de várias atitudes e circunstâncias típicas da ação da maus gestores, bem como pela introdução de novas regras processuais que tornam ainda mais difícil responsabilizá-los e puni-los, é maior que qualquer benefício trazido pelos trechos que buscam coibir o “apagão das canetas”. As mudanças feitas pelo relator não são suficientes para alterar a avaliação que fizemos, dias atrás, do PL 10.887: ele “não vem em socorro de bons gestores que, às vezes, se equivocam agindo de boa fé; vem para facilitar a vida dos que pretendem se aproveitar do cargo público em benefício próprio”. Que o projeto tenha sido defendido pelos mesmos parlamentares que não hesitam em criticar abertamente a Lava Jato e seu legado – um leque que vai da bancada petista ao líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) – é algo que apenas reforça a convicção de que estamos diante de um retrocesso no combate à corrupção.

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