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O presidente interino da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), se rendeu à pressão da opinião pública e finalmente criou, na terça-feira, dia 14, a comissão especial que vai analisar a proposta das Dez Medidas Contra a Corrupção. O projeto, que recolheu mais de 2 milhões de assinaturas por iniciativa do Ministério Público Federal e outras instituições, estava parado na Câmara desde março deste ano. A criação da comissão não deixa de ser uma boa notícia, mas, dado o clima de conspiração contra a Lava Jato que predomina em Brasília, a sociedade vai precisar ficar bastante atenta à tramitação do projeto.

Há ao menos três motivos para preocupação. Primeiramente, nem os parlamentares, nem o governo do presidente interino Michel Temer têm demonstrado interesse em acelerar o trâmite para a aprovação das propostas. Apesar de declarar apoio público à Lava Jato, o governo não deu a mínima atenção até agora a esse relevante conjunto de medidas. De acordo com interlocutores da Câmara e do Planalto, neste momento as prioridades são a pauta econômica e o impeachment. Em que pese a importância desses assuntos – afinal, o país precisa criar o mínimo de condições para o retorno da estabilidade na economia e na política –, ainda assim não há sentido em protelar a aprovação de um projeto que certamente irá dificultar a ocorrência de crimes ligados à corrupção.

A intenção de minar a Lava Jato e outras operações de combate aos crimes de agentes públicos é evidente

Em segundo lugar, a proposta, apesar de sua abrangência e utilidade prática, não conquistou o consenso da classe política. Conforme o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, nem todas as medidas devem ter apoio dos partidos e precisarão ser “adequadas”. Padilha, entretanto, não menciona quais são os pontos de discordância, o que dificulta saber em que medida as legendas pretendem alterar as propostas.

E é a partir dessa falta de consenso que se chega ao terceiro motivo de preocupação – e que apresenta o maior risco a ser considerado pela sociedade. A intenção de, por meio da atividade legislativa, minar a Lava Jato e outras operações de combate aos crimes de agentes públicos ficou evidente nas gravações de conversas feitas pelo ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado. Nelas, ninguém menos que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), aparece apoiando mudanças significativas na regra de delação premiada, a fim de somente permitir o uso do instituto por pessoas que respondem em liberdade. Outros políticos do PMDB, como o ex-presidente José Sarney e o senador Romero Jucá, também foram flagrados em gravações que comprovam o desejo de limitar o alcance da Lava Jato e dificultar futuras investigações semelhantes. Não é fantasioso dizer que existe o risco de os parlamentares agirem para desfigurar as Dez Medidas Contra a Corrupção ou até mesmo optar pela aprovação de projetos que facilitem a impunidade. A proposta de mudar as regras de delação premiada, por exemplo, é um exemplo de tentativa de tornar o ambiente mais permissivo para a corrupção.

Por essas razões, é necessária a mais absoluta vigilância neste momento de criação da comissão especial na Câmara. É preciso evitar aqui o que ocorreu na Itália, onde, ao fim da Operação Mãos Limpas, os parlamentares que escaparam das condenações judiciais aprovaram leis para dificultar o combate à corrupção, tudo com o aval do então primeiro-ministro Silvio Berlusconi, nome emergente após o escândalo que abalou a política italiana. A mobilização da sociedade para aprovar as Dez Medidas Contra a Corrupção é uma tarefa que, se levada a cabo, vai contribuir para transformar o ambiente político brasileiro.

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