No dia 13 de agosto, foi publicada a portaria em que a atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, prorrogou pela quinta vez os trabalhos da força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná. Sem a medida, a força-tarefa seria extinta em 9 de setembro, mesmo dia em que termina o mandato da procuradora-geral – ainda não se sabe se ela será reconduzida ao cargo ou substituída por outra pessoa escolhida pelo presidente Jair Bolsonaro. Dar à força-tarefa mais um ano de trabalho é decisão acertada e muito necessária, não tanto pelo muito que a Lava Jato já fez, mas pelo que ainda resta a fazer.
Ao prorrogar os trabalhos da força-tarefa, Raquel Dodge demonstrou, ainda, que não deixou as desavenças entre ela e os procuradores de Curitiba se sobreporem aos interesses do país. Nestes últimos 12 meses, houve, de fato, ocasiões em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a equipe de Curitiba entraram em rota de colisão. A mais rumorosa delas foi o episódio envolvendo um acordo firmado pela Lava Jato com as autoridades norte-americanas. O texto previa que 80% de uma multa paga pela Petrobras nos Estados Unidos seria repatriada e destinada a um fundo para o ressarcimento de prejuízos a acionistas minoritários no Brasil e para iniciativas de combate à corrupção. Diante das controvérsias em torno da administração desse dinheiro, a Lava Jato suspendeu o processo para consultar órgãos como a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União, mas mesmo assim Dodge pediu ao Supremo Tribunal Federal que anulasse o acordo, pedido atendido pelo ministro Alexandre de Moraes.
Ainda existem muitos fios a puxar para que se entenda toda a dimensão do petrolão
Por mais que o fundo tenha naufragado, a disposição das autoridades dos Estados Unidos em confiar centenas de milhões de dólares ao MPF – dinheiro que, por direito, era dos norte-americanos e do qual eles não costumam abrir mão – demonstra a seriedade do trabalho da força-tarefa. Nestes cinco anos e meio investigando o que provavelmente é o maior escândalo de corrupção da história do país, foram R$ 14 bilhões recuperados para os cofres públicos – no fim de julho, mais R$ 424 milhões foram devolvidos à Petrobras – de um total de R$ 40 bilhões solicitados, entre ressarcimentos e multas. A Justiça já condenou 159 pessoas por diversos crimes, incluindo corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, crimes contra o sistema financeiro e até mesmo tráfico transnacional de drogas, de acordo com balanço recente publicado pelo próprio MPF. E metade das ações penais abertas ainda aguarda sentença.
Os números expressivos poderiam até dar a impressão de que a força-tarefa já fez seu trabalho, e agora caberia ao Judiciário dar andamento mais célere às ações, especialmente no caso dos detentores de foro privilegiado, investigados pela PGR (e não pela força-tarefa) e julgados em tribunais superiores. Mas ainda há muito trabalho a fazer. O petrolão, apesar do nome, não foi apenas um esquema de corrupção idealizado pelo PT para sangrar a Petrobras em nome de seu projeto de poder; ele se estendeu por uma série de outras estatais e esferas da Federação, a ponto de as mesmas empreiteiras participantes do esquema terem repetido as falcatruas no nível estadual, abastecendo vários outros políticos e partidos. Ainda existem muitos fios a puxar para que se entenda toda a dimensão do escândalo. Além disso, a limpeza promovida pelo eleitor brasileiro no fim de 2018 tirou o foro privilegiado de vários políticos, como os ex-senadores Edison Lobão e Romero Jucá e o ex-governador do Paraná Beto Richa, todos eles denunciados pela força-tarefa paranaense ao longo deste ano.
O voto de confiança na força-tarefa é, também, uma resposta às tentativas de desconstrução da Lava Jato e de seu legado. O ataque midiático vem principalmente com o estardalhaço feito pelo site The Intercept Brasil e publicações parceiras, que continuam divulgando supostos diálogos dos integrantes da força-tarefa, cujo conteúdo, em muitos casos, já foge totalmente ao critério de interesse público que justificaria tal publicação. Enquanto isso, a tentativa de criar um novo marco legal que dificulte a corrupção e dê às autoridades ferramentas mais efetivas para combatê-la enfrenta dificuldades no Congresso desde 2017, quando as Dez Medidas Contra a Corrupção foram desfiguradas, e continua ainda hoje, com a nova lei de abuso de autoridade e a desidratação do pacote anticrime do ministro Sergio Moro, o ex-juiz federal que julgou os casos da Lava Jato em Curitiba. Investigados, réus e demais interessados na impunidade dos corruptos buscam, assim, repetir no Brasil o fim melancólico da Mãos Limpas na Itália, contando para isso com o apoio de outros parlamentares movidos por uma concepção ideologicamente diversa sobre temas de segurança pública e que, mesmo agindo de boa fé, não conseguem perceber o impacto que tais decisões terão sobre a luta contra a ladroagem no país.
Em 3 de setembro, o Conselho Superior do Ministério Público Federal se reúne para analisar a portaria que prorroga os trabalhos da força-tarefa. O desfecho natural será a aprovação de mais um ano de trabalho. Não se trata de pretender, aqui, uma eternização da Lava Jato, como alegam muitos de seus detratores, mas de compreender que um trabalho tão necessário para o Brasil ainda não está concluído e não há por que interrompê-lo agora.
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