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A escola já pode se alistar entre as maiores vítimas da violência do nosso tempo. Salvo engano, nenhuma outra instituição foi tão atingida pelo avanço da cri­­minalidade – nem a família, nem as igrejas, tampouco os próprios órgãos de segurança pública. Para se proteger da realidade, por ironia, os muros do colégio ficaram mais e mais altos. E o circuito educacional, longe de um final feliz, não ganhou nada com sua nova escala. Tornou-se menos comunicativo e – ao contrário do que se propaga – pas­­sou a flertar com uma rigidez própria dos presídios, como mostrou a reportagem "Ditado da violência", de Bruna Walter, publicada pela Gazeta do Povo no último domingo.

A feudalização do ensino, em nome da violência, contudo, mexe com uma tradição tão antiga quanto o próprio quadro de giz. De espaço de acolhimento por natureza, a escola se converte num mirante de onde a rua passa a ser vista como um território do medo, um endereço a ser desviado. Trata-se de um antagonismo – a cada novo tijolo de proteção nega-se, por "a mais b", a capacidade transformadora da educação.

Não é o único problema à vista. A escola que veste armadura e vacila em sua missão é também a escola que rejeita o tempo e o lugar em que está. É como se desejasse embarcar num disco voador – adotando o escapismo como estilo de vida. A violência, diante desse quadro de apatia e rejeição, passa a ser entendida como um problema dos outros. Tolice: o mal já está instalado perto do bebedouro, nos banheiros, no repasse de drogas feito com a mesma banalidade com que os enamorados trocam bilhetinhos por baixo da carteira.

Como diz a máxima de São Tomás de Aquino e dos demais padres da Igreja, "o que não é assumido não é redimido." Eis o ponto: passa da hora de a escola entender que ela não é apenas uma voz indignada contra a violência, mas parte do problema e da solução. É fato que não se trata de uma tarefa elementar, como montar o painel do pátio ou tocar o sino do recreio. O que se está pedindo é uma mudança cultural – logo, pede-se muito.

A escola está historicamente alinhada a valores como a solidariedade, a partilha e o cultivo do conhecimento. Estudar o crime, investigá-lo e enfrentá-lo para além dos muros tende a parecer uma concessão demasiada, um pacto com o negativo, uma troca do sólido pelo líquido. Mas não há mais como professores, alunos e pesquisadores se comportarem como donzelas ultrajadas, pedindo que a polícia e a política tragam-lhe cabeças na bandeja, como a Rainha Vermelha de Lewis Carroll.

Não se pode afirmar que a escola ignore os índices de homicídio ou o avanço do tráfico. Esses dados são de fato inscritos com giz e indignação. Mas são raras as instituições que tomam iniciativas capazes de consolidar o que um dia se chamou de "cultura da justiça e da paz". Deviam fazê-lo com a mesma naturalidade com que citam Piaget ou o construtivismo. Ao não assumir também esse papel, reduzem-se a um muro de alto, alto o bastante para sossegar o coração em disparada dos pais.

Como mostrou pesquisa do Instituto Cidadania, em parceria com a Fundação Perseu Abramo, de 2009, a violência preo­­cupa mais os brasileiros do que o desemprego e a própria educação. A escola, em meio a essa corrente do medo, tende a funcionar como espaço de proteção, e não mais de interação.

Pode-se rejeitar o status de "toca". Os estudos de violência literalmente abrem as escolas e oxigenam a realidade – aconteceu no Jardim Ângela, em São Paulo, já tido como um dos lugares mais sinistros do mundo. E ocorre em algumas escolas do Guarituba, em Piraquara. Ou no Jardim Monza, em Colombo.

Não se tem notícia de que as instituições tenham burlado seus conteúdos ou ferido suas intenções ao botar o olho na rua. Do contrário, feriram a violência no que tem de mais nefasto: a negação que faz do direito à palavra, da mobilidade e do bem-vier, para citar expressão cara a Gaston Bachelard. Ninguém melhor do que a escola para tratar do assunto. Que ela diga "presente".

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