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Apesar das súplicas dos pais, justiça francesa decidiu que Vincent Lambert deve morrer.
Apesar das súplicas dos pais, justiça francesa decidiu que Vincent Lambert deve morrer.| Foto: Reprodução/ Facebook

Quanto vale a vida de um doente, de alguém preso a uma cama, às vezes permanentemente? Juízes e tribunais ao redor do mundo têm decidido que esta é uma vida que vale menos, que pode ser descartada. A última vítima desta mentalidade é o francês Vincent Lambert, enfermeiro que sofreu um acidente de moto dez anos atrás, ficando tetraplégico e com lesões cerebrais extensas. Ele não está inconsciente: segundo os pais, dorme, acorda e acompanha movimentos com olhos. Mas nunca terá como se recuperar, alegam os médicos, e foi com base neste raciocínio que a Justiça francesa autorizou a eutanásia de Lambert, encerrando uma disputa jurídica que opôs por vários anos os pais e dois irmãos do enfermeiro, que desejavam mantê-lo vivo, e a esposa e outros cinco irmãos, defensores do desligamento dos aparelhos.

Que familiares e o Judiciário francês tenham desejado abreviar a vida de Lambert já é suficientemente cruel, mas a maneira como isso está sendo levado a cabo é ainda mais macabra: a alimentação e a hidratação do paciente estão sendo gradualmente reduzidas, enquanto ele recebe sedativos. Em outras palavras, Lambert morrerá de fome e sede, algo tão desumano que motivou até mesmo uma apelação do Comitê de Direitos da Pessoa com Deficiência das Nações Unidas, também recusada pela Justiça francesa. Em uma inversão de valores que seria irônica se não fosse tão abjeta, a única forma de eutanásia permitida na França é justamente a interrupção da alimentação de pacientes em estado vegetativo e sem perspectiva de recuperação. A vontade de legisladores e juízes conseguiu, assim, transformar o ato de matar alguém de fome em uma “morte digna”.

Ao contrário do que diz o slogan, não há nada de “digno” em um assassinato

Lambert não é o primeiro a morrer desta forma. A norte-americana Terri Schiavo, que entrou em estado vegetativo após sofrer sequelas de um ataque cardíaco em 1990, morreu em março de 2005 da mesma maneira escolhida para matar Lambert: ela também teve sua alimentação e hidratação suspensas por ordem judicial, a pedido do marido, contra a vontade dos pais. A disputa judicial que levou 15 anos, com envolvimento da Suprema Corte e leis aprovadas pelo Legislativo da Flórida e pelo Congresso americano, fez do caso de Terri o mais célebre envolvendo a eutanásia realizada desta maneira particularmente cruel.

Mais recentemente, a eutanásia ordenada pela Justiça também vitimou duas crianças no Reino Unido. Em 2017, o bebê Charlie Gard, que sofria de uma forma grave de uma doença degenerativa, morreu poucos dias antes do primeiro aniversário porque os médicos que cuidavam dele em Londres e os magistrados do país negaram aos pais da criança o direito de tentar terapias alternativas no exterior. A família só desistiu ao perceber que os interessados na morte de Charlie tinham conseguido arrastar o caso nos tribunais por tempo suficiente para que se fechasse qualquer janela de oportunidade que o filho porventura tivesse. A tragédia se repetiu em 2018 com Alfie Evans, de quase 2 anos, com algumas agravantes: os médicos do Hospital Alder Hey, em Liverpool, mesmo sem saber exatamente qual era o problema de Alfie, recusaram ofertas para tratar a criança na Itália; e o padre que oferecia assistência espiritual aos pais chegou a ser impedido de entrar no hospital, em uma violação da liberdade religiosa.

Nossas convicções: A dignidade da pessoa humana

Leia também: Quando o cinema diz que não é bom ser você mesmo (artigo de Emily Murtagh, publicado em 16 de julho de 2016)

Não se trata, aqui, de defender a chamada “obstinação terapêutica” ou “distanásia”, que consiste em manter o paciente vivo a qualquer preço, um erro que costuma apenas prolongar a agonia do paciente. Mas a eutanásia, a ação deliberada para encerrar uma vida, merece condenação ainda maior, porque traz consigo um enorme desprezo pela dignidade humana, como se houvesse vidas que não merecessem ser vividas, como se fosse preferível estar morto – uma “cultura da morte” que tem sido exaltada até mesmo em filmes de sucesso, como Menina de ouro e Como eu era antes de você. Ao contrário do que diz o slogan, não há nada de “digno” em um assassinato. Ainda que cometida da forma mais asséptica possível, dentro de um hospital; ainda que realizada por vontade do próprio paciente, a eutanásia continua sendo a eliminação deliberada de uma vida por não ser considerada tão valiosa quanto a das outras pessoas.

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