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| Foto: Mandel Ngan/AFP

Quando duas das principais potências econômicas do planeta entram em rota de colisão, não há como imaginar que o resto do mundo tenha muito a ganhar. A guerra comercial entre Estados Unidos e China, que está aumentando com a imposição de novas tarifas sobre produtos de ambos os países, em tese favoreceria outros mercados fornecedores que podem ganhar novos consumidores, mas o benefício é pequeno se comparado a toda a instabilidade criada no sistema de comércio global.

Em poucos dias, os Estados Unidos elevarão para 10% suas tarifas sobre o equivalente a US$ 200 bilhões em produtos chineses, e no início de 2019 essas mesmas tarifas subirão para 25%. Entre as alegações do governo norte-americano está a de que a China desrespeita boas políticas e práticas que envolvem tecnologia e propriedade intelectual. Na terça-feira passada, Pequim anunciou sua retaliação: tarifas de 10% sobre mais de US$ 60 bilhões em produtos de origem norte-americana, com o aviso de que as medidas podem ser intensificadas. Donald Trump respondeu afirmando que, se a taxação efetivamente for implantada, mais US$ 270 bilhões em mercadorias de origem chinesa podem ser tarifadas nos Estados Unidos.

O sistema multilateral de comércio, edificado a duras penas ao longo de décadas, corre risco

Defensores de Donald Trump afirmam que a escalada, além defender os interesses norte-americanos, ainda faz parte da estratégia do presidente para conseguir mercados mais livres no futuro: para eles, o que Trump faz é “botar o bode na sala” para, depois, convencer o mundo do quão nocivo é o protecionismo comercial. Supondo que essa realmente seja a ideia do norte-americano, a chance de isso não funcionar é enorme. O bilionário Jack Ma, presidente do grupo Alibaba, já afirmou que a guerra comercial pode durar décadas, e o diretor-geral da Organização Mundial de Comércio, o brasileiro Roberto Azevêdo, disse acreditar que os dois países ainda podem adotar outros tipos de barreiras comerciais além das tarifárias. O “bode na sala” vai afetar o crescimento global e a instabilidade deve pressionar o câmbio nos países emergentes, já que em tempos turbulentos a tendência é a migração para a segurança do dólar.

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Se há alguma esperança, está no fato de que a escalada não pode durar para sempre. A China já cobra impostos de importação sobre 85% das compras que faz dos Estados Unidos e, além disso, não tem como contar eternamente com a demanda interna para bancar seu crescimento, e nem desvalorizar sua moeda indefinidamente para ser mais competitiva internacionalmente sem consequências internas. Do outro lado do oceano, se é verdade que os norte-americanos ainda têm margem de manobra muito maior na guerra comercial, pois apenas metade das importações oriundas da China é taxada, haverá consequências sobre o consumidor americano, afetado com altas de preços, não apenas daqueles produtos que vêm diretamente da China, mas daqueles cujas cadeias de produção incluem o país asiático em maior ou menor grau. Uma fábrica localizada nos Estados Unidos, mas que tenha fornecedores chineses precisará encontrar novos fornecedores ou encarar as novas taxas, inevitavelmente repassadas ao consumidor, ainda que as autoridades norte-americanas aleguem estar estudando cuidadosamente as listas de produtos para minimizar o impacto dentro dos EUA.

A escalada nas tarifas até podem abrir espaço para outros países – seja emergentes, seja potências como a União Europeia – buscarem novos fornecedores e consumidores nos Estados Unidos e na China, mas o estrago maior está no sistema internacional de comércio como um todo. Azevêdo lembrou, em evento no Rio de Janeiro, que o discurso usado na guerra comercial “chega mesmo a rejeitar alguns princípios básicos do comércio internacional”, segundo o jornal O Estado de S.Paulo. O fato de os dois países buscarem resolver suas diferenças pela guerra comercial, em vez de recorrer à OMC, também é sintoma preocupante de que o sistema multilateral de comércio, edificado a duras penas ao longo de décadas, corre risco.

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