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Câmbio tem influenciado escalada da inflação no Brasil.| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo

Uma marca triste voltou a ser rompida em setembro de 2021: com a inflação oficial, medida pelo IPCA, acelerando para 1,16% em setembro, o índice acumulado em 12 meses entrou na casa dos dois dígitos, chegando a 10,25%. A última vez que isso havia ocorrido foi em fevereiro de 2016, quando o Brasil ainda vivia os efeitos desastrosos da crise deixada pela Nova Matriz Econômica lulopetista – a inflação do ano anterior tinha sido de 10,67%. Por mais que as previsões do mercado financeiro sejam de desaceleração, a inflação deve seguir em patamares muito altos, desorganizando toda a economia e punindo especialmente os mais pobres.

De acordo com o IBGE, deste acumulado de 10,25%, quase metade vem de apenas quatro itens: a gasolina responde por 1,93 ponto porcentual; a energia elétrica, por 1,25 ponto; as carnes, por 0,67 ponto; e o gás de cozinha, por 0,38 ponto. Como agravante, os aumentos nos combustíveis e na energia normalmente acabam repassados para os preços de vários outros produtos e serviços, encarecendo-os também.

Com exceção da energia elétrica, fica evidente o papel do câmbio na construção dos preços e na disparada da inflação

A essa altura, as causas para a elevação de vários itens já são bastante conhecidas. A crise hídrica forçou o acionamento das usinas termelétricas, cujo custo de produção de energia é maior que o das hidrelétricas; no caso da carne e de outros alimentos, demanda em alta no exterior, combinada com o dólar alto, incentivam as exportações e reduzem a oferta interna; e, no caso dos combustíveis, a alta nos preços do petróleo no mercado internacional, também conjugada ao valor do dólar, encarece a gasolina.

Com exceção da energia elétrica, fica evidente o papel do câmbio na construção dos preços e na disparada da inflação. No início da pandemia, o dólar oscilava na casa dos R$ 4,50, e hoje anda na casa dos R$ 5,50, uma desvalorização de pouco mais de 22%. Em 2020, apesar de a economia não ter recuado tanto quanto em outros países, o real foi a sexta moeda que mais perdeu diante do dólar em um ranking de 111 nações. Ainda que um processo de valorização do real não seja capaz de resolver todos os problemas da inflação brasileira, atenuaria uma série de fatores, por exemplo compensando eventuais novas altas do petróleo, ou desestimulando a exportação de commodities e aumentando a oferta interna. O desafio está em fornecer as condições para que o real se fortaleça.

E as duas grandes condições para que o Brasil se torne um país mais confiável diante do investidor estrangeiro são estabilidade política e saúde fiscal. Se por um lado as tensões institucionais que marcaram boa parte dos últimos meses parecem ter esfriado recentemente, o desarranjo fiscal vem ganhando corpo, com pressões cada vez maiores pelo aumento do gasto público, soluções heterodoxas como o calote nos precatórios por meio de emenda à Constituição, e abandono gradual das reformas. A reforma administrativa, que poderia colaborar com o ajuste fiscal, já foi bastante atenuada por concessões corporativistas e agora se tornou pretexto para as tradicionais chantagens e negociações envolvendo emendas parlamentares. O desgaste do ministro Paulo Guedes após a divulgação da existência de contas offshore em seu nome, ainda que até o momento não tenha sido comprovada nenhuma irregularidade, também passou a ameaçar a implementação de pautas liberais.

Se a inflação não recuar por razões boas, como uma correção de rumos que fortaleça o real, mais cedo ou mais tarde ela pode começar a recuar pelas piores razões possíveis: a alta dos juros freará os investimentos e o crédito; o crescimento será insuficiente para reduzir o desemprego e a pobreza; como resultado, uma população empobrecida simplesmente deixará de consumir, usando seu escasso dinheiro apenas para o que for imprescindível. Um ciclo vicioso que o país já viu várias outras vezes, e do qual só se escapa a muito custo, mas cujo perigo Brasília parece incapaz de perceber com clareza.

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