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Esplanada dos Ministérios, em Brasília, com a Praça dos Três Poderes ao fundo.| Foto: Pillar Pedreira/Agência Senado

O Brasil vive atualmente uma fase peculiar em sua vida econômica, política e social. Em termos estruturais continua sendo um país pobre, com amplas carências sociais, baixa renda por habitante, enorme desigualdade social, elevada criminalidade etc. Em termos conjunturais, após ter sofrido grave recessão em 2015-2016, a queda do Produto Interno Bruto (PIB) foi interrompida em 2017, mas de lá para cá o crescimento do PIB tem sido medíocre, especialmente considerando que a população segue aumentando ao redor de 1,5 milhão de pessoas anualmente. Aos olhos do mundo, é um enigma como um país com território continental, terras férteis, água abundante, rico em recursos naturais, diversidade racial e integração cultural consegue se manter pobre e atrasado.

No campo político, após ter vencido quatro eleições presidenciais, o governo esquerdista do PT deixou como herança um setor estatal patrimonialista, inchado, ineficiente, com distorções na distribuição de renda agravadas por concessões a grupos corporativos e um legado de esquemas de corrupção que prejudicaram investimentos do governo e de suas empresas estatais. Esgotada por esse esquema, a população elegeu um candidato conservador, que se apresentou como o oposto de qualquer coisa ligada à esquerda e com a promessa de resgatar a ética pública, combater a corrupção, desmontar os esquemas corporativos e fazer um governo oposto ao que ele mesmo chamou de “a velha política”.

Um prefeito, governador ou presidente pode ser eleito com expressiva votação e elevada popularidade, mas a manutenção da confiança se realiza durante o exercício do mandato

No fim do primeiro trimestre de 2020, o país se viu atacado por uma crise de saúde pública que afetou o mundo inteiro e colocou pelo menos metade da população em isolamento social, obrigou ao fechamento total ou parcial de empresas, deu freada brusca no comércio e nos serviços, reduziu fortemente o PIB, jogou perto de 40 milhões de trabalhadores autônomos dentro de casa, sem renda, criou grave crise financeira nas empresas e aumentou o desemprego. Os efeitos na economia e no empobrecimento são de elevada monta, mesmo que a pandemia desapareça rapidamente do cenário. Num momento grave como esse, o que mais o país precisa é de líderes competentes, equilibrados e integrados em uma mesma estratégia, nos quais a população possa depositar confiança para conduzir a nação a bom termo.

Pois é nesse contexto que a política nacional, como tem sido a lógica de sua história, se apresenta fragmentada, desarticulada, dividida e com o próprio governo federal em um eterno bate-boca, divergências, demissões e redução da confiança necessária para ajudar o país a superar os dramáticos problemas que afetam a vida nacional. Os episódios recentes envolvendo saídas de ministros e, mais recentemente, a intervenção do STF na nomeação do diretor-geral da Polícia Federal prejudicam a estabilidade, desgastam o governo e reduzem a taxa de confiança no governo e nas instituições. É praxe entre líderes políticos brasileiros o não entendimento da importância e da necessidade da confiança para governar e levar os mandatos até o fim com certa estabilidade.

A confiança da população nas instituições é necessária para a governabilidade e para o crescimento econômico e o desenvolvimento social, com demonstra o sociólogo e cientista político Alain Peyrefitte em seu livro A Sociedade de Confiança, de 1995, que resultou de pesquisas e observações em viagens por cinco continentes e de experiências como político e ministro nas mais de quatro décadas de atividade intelectual e política em seu país, a França. O autor afirma que a confiança é essencial para o desenvolvimento econômico e social de qualquer nação, entendida como tal a confiança recíproca entre as pessoas, a confiança de uma sociedade em suas instituições, o cumprimento de regras não escritas de respeito mútuo e um comportamento capaz de minimizar a incerteza. A confiança leva os indivíduos a saberem o que esperar dos outros e das instituições, e são elementos vitais e decisivos para promover os negócios, os empreendimentos, os contratos, o progresso material e o desenvolvimento social.

Em uma passagem, o autor afirma que foi o conhecimento do Terceiro Mundo que o convenceu de que o capital e o trabalho eram na realidade fatores secundários e que o fator principal do desenvolvimento é um terceiro, que ele chamou de terceiro fator imaterial, ou seja, o fator cultural, dentro do qual figura a baixa taxa de confiança, e que ela responde pelo atraso e pela falta de progresso. Para Peyrefitte, a sociedade de confiança é uma sociedade em expansão, na qual se pratica o jogo do ganha-ganha, o indivíduo confia na autoridade, a população confia no governo, as pessoas acreditam na Justiça, a lei protege os contratos juridicamente perfeitos, os cidadãos cumprem as regras – muitas vezes sem precisar de fiscalização ou de punição –, a corrupção é pequena, o governo é razoavelmente eficiente e a população se sente representada pelos políticos que elege.

Na sociedade de desconfiança, a população não acredita nas autoridades, não confia no governo, não espera que a Justiça funcione a contento, aceita serviços públicos de baixa qualidade e acaba convivendo com elevados graus de corrupção quase como se fosse um traço normal da cultura nacional, tudo em prejuízo da superação do atraso e da pobreza. Por sua vez, a confiança é elemento essencial para qualquer líder, seja numa empresa, numa organização social ou na chefia de um poder. Um prefeito, governador ou presidente pode ser eleito com expressiva votação e elevada popularidade, mas a manutenção da confiança se realiza durante o exercício do mandato. Trata-se de um atributo frágil, que se esvai facilmente à medida que o governante fala e age. Conquistar confiança é tarefa difícil, perdê-la é tarefa fácil. O Brasil é carente de líderes políticos capazes de entender a real necessidade da confiança para governar e fazer o país progredir.

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