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| Foto: Marvin Recinos/AFP

Os “socialismos do século 20” e “socialismos do século 21” têm muito em comum, além do estado de pobreza em que costumam deixar os países em que são aplicados: naquelas nações em que um governo socialista assume após uma revolução que destrona um governo ditatorial, o mais comum é que os novos mandatários se tornem tão ou mais sanguinários quanto aqueles que depuseram. Foi assim em Cuba e é assim na Nicarágua, onde os sandinistas de Daniel Ortega tomaram o poder em 1979, o perderam em 1990 e o retomaram em 2006, pela via eleitoral – assim como outro neocaudilho latino-americano, o venezuelano Hugo Chávez. E Ortega tem seguido à risca a cartilha bolivariana, sacrificando seu povo para se agarrar ao poder.

Nos últimos anos, o esquerdista se empenhou em destruir completamente o sistema de freios e contrapesos, bem como a independência entre poderes, exatamente como Chávez e Nicolás Maduro fizeram na Venezuela. Parlamento e Justiça se tornaram totalmente subservientes ao ditador, e, ainda que continue havendo eleições no país, elas já não têm nada de justo: o principal candidato de oposição foi impedido pela Suprema Corte de disputar o pleito de 2016, vencido por Ortega com 75% dos votos. Aliás, a própria participação do ex-guerrilheiro no pleito só foi possível porque em 2014 a Assembleia Nacional havia emendado a Constituição para permitir ao presidente tentar a reeleição tantas vezes quantas quiser.

Do lado de Ortega está apenas o Foro de São Paulo, incluindo o Partido dos Trabalhadores

Com as instituições totalmente dominadas, só faltava a repressão violenta contra opositores e a população em geral. É o que vem acontecendo desde abril, quando manifestações populares contra uma proposta de reforma do sistema previdenciário foram violentamente atacadas por forças de segurança e paramilitares, que lembram bastante as milícias chavistas. A reforma foi cancelada, mas a um custo altíssimo: 41 mortos. A população, indignada, foi convocada pela Igreja Católica para protestar no fim daquele mês, e as manifestações vêm ocorrendo desde então. Entidades de direitos humanos contam, até agora, 365 mortes (a maioria absoluta, de civis) e 261 desaparecidos, provavelmente sequestrados.

A comunidade internacional tem reagido de forma quase unânime. A Organização dos Estados Americanos se referiu a “práticas de terror” cometidas pela ditadura de Ortega. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos denunciou o uso de forças paramilitares e criticou a força desproporcional usada pelas forças regulares, bem como a nova lei de terrorismo aprovada no país e que permite criminalizar protestos pacíficos. Várias nações latino-americanas, incluindo o do Brasil, e a União Europeia pediram o fim dos atos de violência cometidos pelo governo. Os Estados Unidos reforçaram sanções contra a Nicarágua.

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Ortega usa as reações de outros países e organismos internacionais como “prova” de que há um complô estrangeiro para removê-lo do poder (outro truque empregado por Chávez e Maduro), mas só mesmo os seus partidários parecem crer nisso. Dentro da Nicarágua, segmentos os mais diversos – e até antagônicos – da sociedade já se juntaram contra o presidente e têm protestado lado a lado. Até mesmo partidos e ícones da esquerda latino-americana, como o PSol e o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, já criticaram o nicaraguense.

Do lado de Ortega, apenas o Foro de São Paulo, incluindo o Partido dos Trabalhadores. Enquanto o nicaraguense continuava a massacrar seu povo, a entidade que reúne as esquerdas latino-americanas confraternizava em Cuba, solidarizando-se com Ortega. “Sofremos uma contraofensiva neoliberal, imperialista, multifacetada, com guerra econômica, midiática, golpes judiciais e parlamentares, como ocorre na Nicarágua e ocorreu na Venezuela”, disse a secretária de Relações Internacionais do PT, Mônica Valente. Quem também recebeu apoio do Foro, evidentemente, foi o ex-presidente Lula, descrito como “mártir” por Nicolás Maduro. Martírio, de fato, é algo de que carniceiros como Maduro, Ortega e os anfitriões cubanos entendem muito bem: mas sempre na categoria de algozes, pois as verdadeiras vítimas são os povos latino-americanos.

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