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 | Fellipe Sampaio/SCO/STF
| Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

O ex-presidente Lula, preso desde a noite de sábado em Curitiba, apostava na sessão desta quarta-feira do Supremo Tribunal Federal (STF) para deixar a sede da Polícia Federal e voltar à liberdade. O ministro Marco Aurélio Mello é relator de um pedido de liminar feito pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que representava o Partido Ecológico Nacional, autor de uma das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) sobre a prisão após condenação em segunda instância. A liminar pretendia suspender todas as prisões realizadas nessas condições até que o Supremo julgue as ADCs, o que beneficiaria Lula e todos os demais detidos após condenação em segunda instância que estejam aguardando o julgamento de recursos e que não tenham contra si, por exemplo, ordens de prisão preventiva (o que é o caso de alguns condenados da Lava Jato). O partido, no entanto, destituiu Kakay, que entrou com outro pedido de liminar, desta vez em nome do Instituto de Garantias Penais, que atua como amicus curiae na mesma ADC. Marco Aurélio recusou este pedido na noite desta terça-feira e, a pedido do PEN, concedeu cinco dias de prazo para que os novos advogados do PEN estudem o conteúdo da ação.

Se, passado este prazo, Marco Aurélio colocar o pedido de liminar “em mesa”, o que forçaria a análise independentemente da vontade da presidente da corte, Cármen Lúcia, o fiel da balança será, novamente, o voto da ministra Rosa Weber. Na quarta-feira passada, quando o STF analisou o habeas corpus de Lula, ela negou o pedido apoiando-se na atual jurisprudência retomada pela corte em 2016, após um hiato de sete anos, e pela qual é constitucional o início do cumprimento da pena depois da condenação em segunda instância. Mas, em seu voto, Rosa Weber deixou claro que sua posição pessoal é a de que a prisão para cumprimento da pena só pode ocorrer depois do trânsito em julgado, ou seja, o esgotamento de todos os recursos possíveis em tribunais superiores.

Toda a argumentação construída por Rosa Weber no seu voto do habeas corpus justifica um voto também contra a liminar de Kakay

Isso levou Marco Aurélio a retomar sua tática para forçar a mudança de entendimento, mas desta vez com mais sutileza. Se na quarta-feira passada o ministro chegou a ser grosseiro ao interromper a parte final do voto da ministra, agora ele age por meio de entrevistas nas quais dá como certo o voto de Rosa a favor da liminar, já que ambos defendem a mesma tese e a liminar não trata do caso específico de um único condenado, como ocorrera na ocasião anterior.

Mas o ministro pode ter uma surpresa desagradável, já que toda a argumentação construída por Rosa Weber no seu voto do habeas corpus justifica um voto também contra a liminar. E não nos referimos à sua defesa da segurança jurídica, à necessidade de não se modificar jurisprudências a torto e a direito. A chave, aqui, é o princípio da colegialidade e o respeito ao entendimento em vigor.

Ocorre que a regra que vale atualmente é a de que a prisão após condenação em segunda instância é constitucional. Essa jurisprudência só se alteraria de forma definitiva com o julgamento do mérito das ADCs relatadas por Marco Aurélio. Mas o plenário está sendo chamado a julgar não esse mérito, e sim uma medida cautelar, ainda que vinculada a uma das ADCs – ou seja, uma antecipação dos efeitos sem que tenha havido o julgamento do mérito. E, sem que tenha havido esse julgamento, não se pode decidir em sentido contrário àquele definido pela corte em 2016.

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Rosa Weber expôs todo esse raciocínio em seu voto da quarta-feira passada para explicar por que não poderia conceder o habeas corpus a Lula, e essa explicação não perdeu validade. Quando o mérito das ADCs for julgado, Rosa Weber provavelmente votará com Marco Aurélio e ajudará a alterar a jurisprudência (o que nos parece inadequado, dados os bons argumentos a favor da prisão após a condenação em segunda instância e os problemas advindos da mudança de entendimento em prazo tão curto). Mas, enquanto isso não acontece, seu respeito pela colegialidade deve levá-la a defender as regras em vigor, estabelecidas em 2016, sem defender alterações feitas de forma precária, por meio de liminar.

Se o Supremo deferir a liminar sem que tenha alterado formalmente sua jurisprudência, cria uma situação de precarização completa, pois esse tipo de medida é concedido sem análises mais exaustivas, que só ocorrem no julgamento do mérito. Isso seria expor à irrelevância não só o entendimento sobre a prisão após a condenação em segunda instância, mas toda e qualquer jurisprudência já existente ou que venha a ser construída sobre este ou qualquer outro tema. Se os ministros desejam promover uma alteração, que o façam nas análises de mérito das ADCs, que são a maneira prevista pelo ordenamento jurídico, e não por meio de medidas cautelares. Aqui, sim, entra em jogo a defesa enfática da segurança jurídica feita por Rosa Weber: promover mudanças de jurisprudência repentinas e, ainda por cima, por meio de liminar é um risco que a corte não pode correr neste momento crucial de sua história.

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