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 | Ana Gabriella Amorim/Gazeta do Povo
| Foto: Ana Gabriella Amorim/Gazeta do Povo

No início deste ano, os adversários da reforma da Previdência proposta pelo governo Michel Temer conseguiram vencer uma batalha: o Planalto abandonou o projeto, dada a falta de apoio parlamentar (embora o motivo oficial seja a impossibilidade de aprovar emendas à Constituição durante a vigência de intervenções federais, como a que ocorre no Rio de Janeiro). Mas, antes mesmo de a reforma ser enterrada, seus opositores já tinham triunfado na guerra de propaganda travada em torno do tema. Só isso explica os resultados de uma pesquisa encomendada pela Federação Nacional de Previdência Privada (FenaPrevi) ao instituto Ipsos.

Apesar dos déficits bilionários que se repetem ano após ano, metade dos entrevistados disse acreditar que o INSS é sustentável – quase o dobro daquela parcela (28%) que reconhece a incapacidade de a previdência social se manter no futuro. Os restantes 21% disseram não ter opinião formada. Mas a própria ideia de sustentabilidade demonstrada pelos resultados da pesquisa mostra que são poucos os que compreendem como funciona o orçamento federal: 31% acreditam que o governo deve direcionar recursos de outras áreas para bancar o INSS, contra 53% dos que afirmaram que o sistema deve se financiar apenas com os valores da contribuição previdenciária.

É preocupante ver que as percepções ilusórias sobre a Previdência independem de escolaridade e classe social

Quanto ao primeiro grupo, falta-lhe o entendimento de que, quando o governo tem de cobrir o rombo da Previdência, saem perdendo todos os outros setores, inclusive saúde, educação, segurança e infraestrutura, justamente aqueles que a população mais demanda do Estado. Já o segundo grupo, o dos que acreditam – corretamente, é claro – que o INSS deve se manter apenas com os recursos próprios, mostra que parte dos brasileiros vive uma outra ilusão. Uma sobreposição dos números mostra que há uma parcela significativa dos entrevistados para quem o sistema é sustentável e deve se manter sem sugar dinheiro de outras áreas do orçamento. Mas a realidade tem sido bem diferente. Por que, então, a Previdência tem déficits?

Para 75% dos entrevistados, o grande problema do INSS é a corrupção. Por esse raciocínio, se não houvesse roubalheira, provavelmente também não haveria déficit. Apenas 15% apontaram as falhas intrínsecas do modelo e o envelhecimento da população como os fatores por trás do rombo. Infelizmente, a pesquisa Ipsos não avaliou qual parcela dos brasileiros acredita em outra lenda urbana muito difundida sobre o INSS: a de que bastaria cobrar dos grandes devedores para tapar o rombo. A verdade, no entanto, é que, se por algum milagre todos esses devedores quitassem suas obrigações, o valor cobriria no máximo três anos de déficit.

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Não há dúvidas de que existem, sim, fraudes, desvios e corrupção na Previdência. Mas seu grande problema é a inviabilidade do modelo em vigor, no qual as aposentadorias de hoje são bancadas pelos atuais trabalhadores. Esse sistema funcionou bem enquanto havia muitos jovens e adultos na força de trabalho, contra poucos aposentados cuja expectativa de vida não era tão grande. Mas a dinâmica demográfica brasileira mudou: as famílias estão tendo menos filhos e a longevidade está crescendo; consequentemente, há cada vez menos trabalhadores na ativa para financiar cada vez mais aposentados. Ainda que o INSS operasse com lisura total, já no curto prazo o sistema se mostraria inviável, como o provam os déficits; no médio e longo prazo, o modelo está condenado. Esse raciocínio também vale para a previdência dos servidores públicos, que não foi abordada na pesquisa Ipsos.

E é preocupante ver que as percepções ilusórias sobre a Previdência independem de escolaridade e classe social. Mesmo entre os mais instruídos, com curso superior, prevalece a visão de que o INSS é sustentável (52% contra 41%). E, quando perguntados sobre a necessidade de uma reforma na Previdência, 34% dos entrevistados da classe AB e 40% daqueles com curso superior afirmam que não é necessário fazer mudanças no sistema – a média de todos os entrevistados foi de 43%. É verdade que a parcela dos que defendem a necessidade de uma reforma é maior (48% na classe AB e 52% entre os que têm curso superior). Além disso, para metade dos entrevistados, o próximo presidente precisa tratar do tema. A pesquisa, no entanto, não questionou se as pessoas estariam dispostas a votar em um candidato que defendesse a reforma durante a campanha. E, hoje, nada ameaça mais a perspectiva de uma reforma da Previdência que o populismo eleitoreiro vendedor da ilusão de que não há problemas – o mesmo discurso, aliás, que venceu em 2014 e cujos resultados fizeram sofrer um país inteiro.

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