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| Foto: Fabio Rodrigues PozzebomAgência Brasil

Nesta quinta-feira (21), o ex-presidente Michel Temer (MDB) foi preso preventivamente por ordem do titular da 7ª vara federal criminal do Rio de Janeiro, o juiz Marcelo Bretas, que cuida dos processos oriundos de desdobramentos da Lava Jato no estado. A decisão, que estava em sigilo desde a última terça-feira (19), ordenou oito prisões preventivas, duas prisões provisórias e 26 mandados de busca e apreensão, respondendo a um pedido do Ministério Público Federal (MPF) protocolado na noite de sexta-feira (15). 

As prisões ocorreram em decorrência da operação batizada de “Descontaminação”, desdobramento de outras investigações de um suposto esquema de corrupção na construção da Usina Nuclear de Angra 3. Foram presos, entre outros investigados, o ex-ministro Wellington Moreira Franco (MDB), um dos auxiliares mais próximos de Temer; João Batista Lima Filho, o coronel Lima, amigo de longa data de Temer e seu suposto operador; Maria Rita Fratezi, esposa do coronel Lima e que teria coordenado a reforma na casa de uma das filhas de Temer, que teria servido para lavar parte da propina intermediada por Lima e Moreira Franco em benefício do ex-presidente. 

Desde logo, é preciso frisar que, nesta fase das investigações, a consistência dos indícios contra Michel Temer e seus supostos operadores não está em jogo. Essa avaliação deve ser feita em sede processual e objeto de sentença, à luz do contraditório e da ampla defesa. É até bom que se diga que a decisão de 46 páginas do juiz Marcelo Bretas e os elementos levantados pela Polícia Federal (PF) e pelo MPF em coletiva de imprensa na tarde desta quinta-feira (21) – que se conectam com elementos de outras investigações contra Temer e seus correligionários – parecem compor um conjunto probatório sólido de atos de corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A questão levantada hoje, contudo, é que o Código de Processo Penal estabelece critérios próprios para a decretação da prisão preventiva. 

A decisão do juiz Marcelo Bretas pecou pela falta de clareza, o que é particularmente preocupante em um caso desta gravidade

A questão que se coloca com as prisões de hoje, portanto, é saber se estão presentes, concretamente, os requisitos para decretação de prisão preventiva, que são, segundo o CPP, “a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”. Aqui começa o problema, porque a decisão de Marcelo Bretas peca sobremaneira na exposição das razões que a fundamentam. Quem lê a decisão fica sem saber se estão presentes os requisitos e o juiz apenas expôs mal suas razões ou se os requisitos não estão de fato presentes e, assim, a decisão estaria equivocada. 

O único fato concreto que Bretas cita são as evidências de que funcionários da Argeplan, empresa operada pelo coronel Lima e que a Procuradoria-Geral da República (PGR) já sustentou pertencer na verdade a Temer, estavam destruindo provas na sede da companhia. A questão é que isso, como o próprio Bretas lembra, foi identificado no âmbito da Operação Pathmos, em maio de 2017. O juiz lembra ainda que, atualmente, “uma simples ligação telefônica ou uma mensagem instantânea pela internet são suficientes para permitir a ocultação de grandes somas de dinheiro, como parece ter sido o caso”, sem, no entanto, apontar fatos concretos dessa natureza. Isso poderia ser dito de qualquer investigado por corrupção e, portanto, legitimaria qualquer o expediente da prisão preventiva em todas as investigações dessa natureza. Seria muito diferente se, por exemplo, por meio de interceptação telefônica, a investigação tivesse identificado uma ligação recente entre os investigados para ocultar valores ou combinar versões. 

Durante a coletiva de imprensa, os membros da PF e do MPF tentaram trazer mais elementos para justificar os pedidos de prisão preventiva – o que, aliás, até levanta a dúvida sobre por que o juiz Bretas não citou com mais clareza os pontos levantados pelos investigadores. No entanto, o problema parece se repetir. O fato mais recente citado pelo MPF foi a tentativa de um depósito de R$ 20 milhões na conta da Argeplan, apontada pelo COAF e ocorrido em outubro de 2018, quando Temer ainda era presidente, o que demonstraria que a suposta organização criminosa continuava operando valores mesmo sob investigação no STF. Mas teria havido algum outro fato concreto dessa natureza desde a troca de governos, há mais de dois meses? Nada dessa natureza foi apontado. 

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De fato, os procuradores argumentaram que há contratos sob investigação em execução até o presente, que o total dos valores acumulados ilicitamente ainda não foi localizado e, assim, pelo menos uma parte dos recursos ainda poderia lavada – um ponto mencionado por Bretas na decisão – e que há um acúmulo de indícios de que o grupo de Michel Temer operou, mesmo sob investigação, para esconder esses recursos. O argumento é muito plausível, principalmente em vista das provas, mas o problema é que, neste momento presente, esse argumento aponta para a plausibilidade desses fatos, e não para a efetiva ocorrência deles no presente. 

Essas não são dúvidas triviais, nem questões jurídicas menores que podem ser menosprezadas. Os requisitos da prisão preventiva são parte essencial do Estado de Direito, como forma de garantir que o poder público não avance indevidamente sobre um dos bens mais fundamentais do indivíduo, que é a liberdade, sem o recurso ao devido processo legal. Não se trata, como na discussão sobre a competência da Justiça Eleitoral para julgar crimes comuns conexos a crimes eleitorais, de uma dúvida interpretativa para a qual o Judiciário pode dar uma ou outra resposta razoável. Como, no caso das prisões preventivas, estamos diante de uma questão essencial aos direitos fundamentais, é preciso que os juízes que as decretem o façam sempre com base na observância dos requisitos estritos da lei. Infelizmente, a decisão do juiz Marcelo Bretas divulgada nesta quinta-feira pecou pela falta de clareza, o que é particularmente preocupante em um caso desta gravidade e não permite avaliar a contento a observância desses requisitos tão essenciais. 

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