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reforma administrativa
O relator da reforma administrativa na comissão especial, deputado Arthur Maia.| Foto: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados

Quando três substitutivos diferentes são apresentados em menos de 48 horas, retirando trechos que já haviam sido suprimidos e depois devolvidos ao texto, ou recolocando partes que tinham sido inseridas e depois removidas, sem muita justificativa, já não há como falar que se está buscando algum tipo de acomodação para garantir a aprovação de um texto: o mais provável é que o relator esteja completamente perdido e demonstrando fraqueza. Foi justamente este o caso do texto-base da PEC 32, da reforma administrativa, relatada na comissão especial da Câmara por Arthur Maia (DEM-BA) e finalmente aprovada, após uma sessão tumultuada que durou 13 horas. Considerando versões anteriores preparadas por Maia, a redação final poderia ter sido muito pior, mas o plenário da Câmara e o Senado ainda terão trabalho a fazer para entregar uma reforma melhor e mais justa.

Talvez nada demonstre melhor o vaivém e a fraqueza do relator quanto a inclusão de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público na reforma, listando-os entre os servidores que não poderiam receber benesses como férias de mais de 30 dias pelo período aquisitivo de um ano, vários tipos de licenças, promoções ou progressões baseadas apenas no tempo de serviço, ou a aposentadoria compulsória como punição pelo cometimento de irregularidades. Nada mais justo que as regras também se apliquem a eles, até porque estes profissionais, apenas pela remuneração que recebem, já fazem parte de uma elite hiperseleta e, ainda assim, ganham privilégios fora do alcance dos demais brasileiros, sejam do funcionalismo ou da iniciativa privada.

Ainda há muito trabalho a se fazer para que a reforma administrativa traga mais justiça dentro do serviço público, elimine desigualdades e privilégios, e racionalize a despesa do Estado com pessoal

Inicialmente, Maia havia chegado ao extremo de afirmar que incluí-los na reforma era inconstitucional, o que impediria até mesmo a aprovação de destaques ou emendas que tivessem essa finalidade. Depois, ignorou a opinião anterior e os elencou no substitutivo apresentado em 22 de setembro. No dia seguinte (e no substitutivo seguinte), Maia deixou-os de fora novamente, mas sem falar em inconstitucionalidade e chegando a afirmar que, se houvesse emenda de plenário (pois na comissão não houve destaques neste sentido devido a um acordo entre os membros) que incluísse juízes e membros do MP na reforma, ele votaria favoravelmente.

Ao menos o temor de que a versão final da PEC 32 na comissão especial tirasse dos gestores ferramentas que tornem a administração mais flexível e dinâmica não se concretizou. A possibilidade de redução proporcional de jornada e salário em caso de aperto fiscal, hoje proibida por decisão do Supremo Tribunal Federal, chegou a sumir em versões anteriores elaboradas por Maia, mas está no texto aprovado na quarta-feira. Da mesma forma, a possibilidade de contratações temporárias e de parcerias com órgãos e entidades públicos e privados para oferecer serviços públicos está mantida, apesar das reclamações da oposição de esquerda. Aqui, o maior cuidado estará na elaboração de bons critérios para fechar quaisquer portas a favorecimentos e apadrinhamentos.

Entidades e especialistas empenhados na racionalização do Estado brasileiro consideraram a versão aprovada na comissão especial um texto melhor que as versões anteriores, mas continuam fazendo críticas. Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, o gerente de causas do Centro de Liderança Pública (CLP), José Henrique Nascimento, afirmou que as duas maiores deficiências da PEC 32 em sua redação atual são a não participação dos magistrados e membros do Ministério Público, e os benefícios dados a membros das forças de segurança pública, para os quais a reforma da Previdência fica praticamente revogada. São problemas que precisarão ser corrigidos ou no plenário da Câmara, ou no Senado, para que não ocorra com a reforma administrativa o que ocorrera com a reforma da Previdência, que nasceu “igualitária”, mas terminou com categorias “mais iguais que outras”.

Da tramitação da PEC 32 na comissão especial pode-se extrair, ainda, outras lições, como a inutilidade de se fazer concessões à determinados grupos. Maia chegou a atender pedidos da oposição, retirando itens que a desagradavam, mas ainda assim oito partidos fecharam posição contra a reforma: PT, PDT, PSB, PSol, PCdoB, Solidariedade, PV e Rede. São legendas estatistas ou corporativistas, que desejam o Estado a serviço do funcionalismo e não do cidadão; para elas, a única reforma administrativa boa seria aquela que não reformasse nada, e por isso jamais estariam satisfeitas com a remoção de um ou outro item, pedindo sempre mais até destruir completamente o texto. Tentar conquistar seu voto com algumas concessões seria tarefa inútil, e os próprios partidos fizeram questão de demonstrar isso na comissão especial.

Ainda há muito trabalho a se fazer para que a reforma administrativa efetivamente traga mais justiça dentro do serviço público, elimine distorções, desigualdades e privilégios, e racionalize a despesa do Estado com pessoal – hoje, o Brasil gasta 13,4% do PIB com o funcionalismo, acima da média da OCDE, mas 51% dos brasileiros se diziam satisfeitos com a qualidade do serviço público, abaixo da média da entidade. A obrigação do plenário da Câmara e do Senado é não suprimir o que a PEC 32 traz de bom e corrigir suas omissões e seus equívocos.

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