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 | Roque de Sá/Agência Senado
| Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Na última quarta-feira (27), o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, a toque de caixa, o texto base de um projeto de autoria do líder do DEM, o deputado Elmar Nascimento (BA), isentando os partidos políticos de multas e penalidades da lei eleitoral e da Receita Federal decorrentes de descumprimento de algumas determinações legais. Apresentado há apenas quinze dias, o texto, que tramitou em regime de urgência, foi aprovado ao mesmo tempo na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário da casa, na forma de um substitutivo do deputado Paulinho da Força (SD-SP), acrescido de mais catorze destaques. Como falta ainda a votação de alguns destaques sobre pontos polêmicos, o projeto deve voltar à pauta esta semana. 

Com o ambiente político conflagrado e o Congresso exigindo que a opinião pública não jogue na vala comum da “velha política” a maioria dos parlamentares, fica difícil entender a libertinagem dos deputados nesse tema. A proposta original de Nascimento cuidava apenas de regulamentar a autonomia dos partidos em definir a duração dos mandatos de dirigentes permanentes e provisórios, mas o texto da última quarta-feira tratou de criar um verdadeiro pacote de bondades – para os partidos, não para o Brasil. 

Não há espaço, nem tempo, para pacotes de bondades ou de maldades.

Pelo substitutivo aprovado, o partido que não enviar à Justiça Eleitoral o balanço contábil do exercício financeiro de 2018, ou que não tiver as contas aprovadas, não sofrerá sanção alguma da lei eleitoral que os impeça de lançar candidatos nas eleições municipais de 2020, se for o caso. Além disso, o texto prevê que os partidos que tenham desrespeitado as regras e decisões judiciais sobre a reserva de no mínimo 5% do Fundo Partidário para o financiamento de candidaturas de mulheres “não poderão ter suas contas rejeitadas ou sofrer qualquer outra penalidade”. O projeto também prevê que a reprovação de contas não resultará na inscrição de dirigentes partidários no Cadin (Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Federais) e que as siglas não poderão ser punidas e multadas em razão de ilegalidades cometidas por seus ex-dirigentes. 

É lamentável que os partidos políticos abusem do uso dos recursos públicos: não custa lembrar que, além do Fundo Partidário anual, os partidos criaram um Fundo Eleitoral de financiamento de campanhas para custear as eleições. Só em 2018, receberam a bagatela de R$ 2,5 bilhões. Esta Gazeta do Povo já argumentou diversas vezes que não faz sentido obrigar o eleitor a custear as siglas, que deveriam elas próprias buscar apoio entre os cidadãos que partilham de seus ideais. Agora, não contentes em abocanhar uma parcela expressiva do erário público, os parlamentares escolhem, na prática, premiar o desrespeito à lei, anistiando-se a si mesmos. Tampouco é razoável que os deputados transformem seu poder de votar leis em privilégios para si próprios, criando exceções que estão indisponíveis a quaisquer outras associações de direito privado no país – em geral já emaranhadas no cipoal de regulamentações e burocracia que faz do Brasil o 72.º colocado entre 140 no ranking de competitividade global. 

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A esse pacote de facilidades, somam-se ainda outras sinalizações preocupantes do Congresso. Como forma de demonstrar força perante o governo, interlocutores do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), têm feito um pente-fino para encontrar projetos que possam enfraquecer o governo, como é o caso do projeto que diminui o poder do presidente de editar Medidas Provisórias e o que obrigaria o governo a explicar formalmente qualquer decisão de contingenciamento de despesas. Alguns desses projetos são verdadeiras pautas-bombas, como o que regulamenta o repasse de recursos da União para os estados como forma de compensar as perdas decorrentes da Lei Kandir, que desonerou exportações. Pelo texto atual, a União seria obrigada a repassar R$ 39 bilhões aos estados, montante suficiente para fazer estourar o teto de gastos. 

Por enquanto, Rodrigo Maia tem dito que não pautará nada que ponha ainda mais em risco a saúde fiscal do país, já na UTI, mas o Congresso dá sinais de pouca responsabilidade diante dos tropeços do presidente Jair Bolsonaro (PSL) em desenhar uma estratégia de diálogo com os parlamentares. Se o Executivo tem falhado em coordenar os esforços pela reforma da previdência e em estabelecer um diálogo produtivo com o Legislativo, não é menos verdade que o Congresso em nada ajuda nesse processo – principalmente na imagem que mostra para a opinião pública – ao aprovar autoanistias inexplicáveis e ameaçar o governo com pautas-bombas. O tamanho do desafio diante do Brasil exige responsabilidade e moderação de todos os atores políticos. Não há espaço, nem tempo, para pacotes de bondades ou de maldades.

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