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O ministro da Educação, Abraham Weintraub, no lançamento do projeto “Tempo de Aprender”.
O então ministro da Educação, Abraham Weintraub, no lançamento do projeto “Tempo de Aprender”, em fevereiro deste ano.| Foto: Walterson Rosa/MEC

A trajetória de Abraham Weintraub no Ministério da Educação foi marcada por polêmicas desnecessárias e projetos que nunca chegaram a ter uma escala efetiva em termos de políticas públicas. As últimas semanas à frente da pasta assistiram a um desgaste político excessivo do seu nome, figurando como um dos pontos de tensão na atual crise entre os Poderes. Weintraub foi deslocado para o olho do furacão no último dia 22 de maio, quando uma fala dita em meio a uma reunião ministerial um mês antes veio a público, por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, no âmbito do inquérito que investiga a interferência política de Jair Bolsonaro na Polícia Federal.

Em uma reunião tensa, o economista afirmou, em meio a um debate sobre a suposta ilegalidade de medidas de isolamento social tomadas por governadores e prefeitos que “eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando pelo STF”. A fala foi interpretada pelos ministros como ameaça à instituição do STF e Weintraub se tornou alvo de investigações no âmbito do inquérito da fake news. Além de prestar depoimento à Polícia Federal sobre a declaração, também está sendo investigado por uma publicação supostamente racista sobre a China, insinuando que o país seria um dos grandes beneficiários da crise mundial provocada pelo Covid-19.

O fato precipitou uma rusga diplomática entre os dois países num momento delicado. Nas manifestações do último domingo, dia 14, o economista apareceu ao lado de um pequeno grupo de apoiadores na Esplanada dos Ministérios. Sem utilizar a máscara obrigatória por recente decreto no Distrito Federal, repetiu a mesma insinuação sobre os ministros do STF na frente das câmeras dos apoiadores. O fato provavelmente foi a gota d’água para sua demissão, que ainda permanece pouco esclarecida da parte do Presidente da República.

Independentemente das razões que levaram ao seu desligamento, Weintraub se notabilizou na sua breve gestão por um discurso aguerrido e forte capacidade de comunicação com as massas digitais do bolsonarismo, o que lhe rendeu um capital político que não pode ser desprezado. Entre várias manifestações de apoio nas redes sociais, muitos influenciadores digitais bolsonaristas pedem pela sua candidatura ao Governo de São Paulo em 2022. Sempre pronto a dar entrevistas exclusivas a sites e blogs bolsonaristas, com declarações polêmicas que imitavam em muito o estilo de Bolsonaro, soube angariar simpatias da chamada "ala ideológica" do governo, com as bênçãos do filósofo Olavo de Carvalho e seus seguidores.

No plano do discurso, Weintraub sustentava uma gestão que procurava se contrapor àquilo que denominava constantemente como três maiores inimigos da educação no Brasil: os oligarcas ou meta-capitalistas, os comunistas e os corruptos. Apregoava uma gestão “livre de influência ideológica”, com forte crítica aos ensinamentos e métodos de “Paulo Freire” e contrária aos grandes oligopólios na educação.

A partir desses motes, o então ministro se colocou constantemente como pivô de polêmicas sem fim. Criticou o que considerava “balbúrdia nas universidades”, acusou uma suposta disseminação de tráfico de drogas nos campi universitários, denunciou o que chamava de doutrinação ideológica no ensino defendendo que alunos filmassem professores em sala de aula e chegou a afirmar que não queria o dinheiro do pagador de impostos para financiar estudos de sociólogos, filósofos e antropólogos. Além disso, xingou cidadãos nas redes sociais, entrou em conflito com parlamentares da oposição e se colocou em constante atrito com veículos de comunicação.

É provável que a disposição sempre renovada para o conflito tenha sido responsável pela paralisação de muitas iniciativas, algumas boas, na sua gestão. A chamada guerra cultural conduzida por muitos setores do atual Governo Federal às vezes esconde certa incapacidade de lidar com as instituições e fazer com que sistemas frouxamente articulados deem o resultado esperado. Por outro lado, a belicosidade permanente gera resistências desnecessárias e muitas vezes impede o progresso de ideias que poderiam ter sido aprimoradas por meio do diálogo e do esforço comum.

É o caso do Future-se, por exemplo. O projeto, lançado no meio do ano passado, tinha por objetivo a modernização das universidades federais, incluindo a criação de novos critérios de produtividades para a pesquisa científica e uma redução da burocracia para fontes de financiamento privadas. Além disso, previa que as universidades pudessem administrar “organizações sociais”, as OSs, que serviriam para conseguir dinheiro privado, além de contratar professores por meio de regime de contrato via CLT, reduzindo a necessidade de concursos públicos e dando mais liberdade gerencial aos departamentos.

Contudo, após muitas críticas, o MEC abriu consultas públicas para colher sugestões. Em outubro, novo texto foi divulgado, reforçando a questão da autonomia, mas até o presente momento, não foi levado ao Congresso para ser votado.

Outra iniciativa, a ID Estudantil carteira de estudante que eliminava a necessidade da emissão por meio de órgão de representação estudantil, a exemplo da União Nacional dos Estudantes (UNE), surgiu como uma Medida Provisória em setembro de 2019, mas terminou caducando no Congresso. Durante toda sua gestão, Weintraub foi constantemente criticado por parlamentares, incluindo o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), que comemorou sua saída recentemente. Ainda assim, chama a atenção que o ID Estudantil não tenha incitado grande mobilização da base do governo ou mesmo engajamento da parte do Presidente em prol da sua aprovação.

Pouco antes de sua saída, o ministro ainda protagonizou a tentativa do governo de passar uma Medida Provisória que autorizava o MEC a nomear reitores e vice-reitores de universidades federais sem consulta à comunidade acadêmica durante a pandemia. O próprio governo revogou a MP depois que o presidente do Senado e do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre, anunciou sua devolução, alegando que feria a autonomia universitária prevista na Constituição.

Vários projetos conduzidos na gestão Weintraub procuravam dar resposta a demandas mais amplas do eleitorado de Jair Bolsonaro. É o caso do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, que focavam na disciplina dos alunos, no aprimoramento da infraestrutura, no fortalecimento de valores éticos e morais, na organização da escola e dos estudantes. Apesar do nome, as instituições não são militarizadas, mas contam com uma equipe de militares da reserva atuando como tutores.

Lançado em setembro do ano passado, o projeto se dá com base em parcerias com estados e municípios. Visa colégios de 500 a 1000 alunos do 6º ao 9º ano e ensino médio. Ainda que o modelo precise ser testado em termos de eficiência, obviamente responde a uma demanda por autoridade presente no ensino brasileiro, marcado em muitos locais pela violência e por problemas de disciplina. Pesquisa recente feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre violência em escolas aponta o Brasil como líder no ranking de agressões contra professores. Dos docentes ouvidos na pesquisa, 12,5% afirmaram ser vítimas de agressão verbal e intimidação dos alunos. Em São Paulo, pesquisa feita pelo Sindicato dos Professores aponta que mais da metade dos docentes da rede estadual afirma ter sofrido algum tipo de agressão, seja ela verbal (44%), discriminatória (9%), bullying (8%), furto/roubo (6%) ou física (5%).

Ainda assim, a iniciativa é marcada pela escala tímida do projeto. A meta inicial do Governo Federal é implementar o modelo em 216 unidades de ensino em todo o país até o início de 2023. Em 2019, somente 15 escolas foram objeto de intervenção. Em 2020, o número pretendido está em 54. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o país hoje possui mais de 144 mil escolas públicas.

Entre os projetos positivos iniciados na gestão do ministro, é possível destacar as ações da Política Nacional de Alfabetização. Com a sua publicação em 2019, a política procura enfrentar um problema historicamente negligenciado em governos anteriores, que tem relação com a qualidade da alfabetização do país, marcado por altos índices do chamado analfabetismo funcional. Para isso, prevê uma série de iniciativas que visam a incorporação de metodologias modernas de alfabetização, considerando a incorporação do chamado método fônico, além de projetos de estímulo à leitura na primeira infância.

É o caso do Programa Conta Para Mim. A iniciativa busca incentivar a leitura no ambiente familiar, para preparar as crianças para o aprendizado nos primeiros anos de escola, utilizando técnicas da chamada literacia familiar, baseada na interação entre pais e filhos por meio de brincadeiras, conversas e leitura em voz alta. O projeto disponibiliza materiais virtuais para o aprendizado da técnica, além de contar com a criação de 5.000 espaços chamados de "Cantinho Conta Pra Mim", nos quais as crianças terão acesso a uma mini biblioteca, com livros de conteúdo infantil, além de tutores e professores treinados especialmente para a iniciativa.

A Política Nacional de Alfabetização foi citada num comunicado oficial à imprensa nesta quinta-feira como principal foco do trabalho do ministro, que deixa “gestão limpa e amplo legado”.

O futuro ministro terá, portanto, que filtrar o joio do trigo, dar continuidade aos projetos promissores e estabelecer canais de diálogo efetivos com a sociedade para o desenho de políticas públicas eficazes no âmbito universitário, no ensino técnico e na educação básica. Seja lá quem seja o escolhido, é importante que entenda que o momento é de apagar incêndios, não de criar novos focos na queimada.

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