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Ativistas pró-aborto durante a votação do projeto de lei do Senado argentino para legalizar o aborto do lado de fora do Congresso em Buenos Aires em 30 de dezembro de 2020.
Ativistas pró-aborto durante a votação do projeto de lei do Senado argentino para legalizar o aborto do lado de fora do Congresso em Buenos Aires em 30 de dezembro de 2020.| Foto: RONALDO SCHEMIDT / AFP

Na madrugada do dia 29 para o dia 30 de dezembro, após 12 horas de discussão, o Senado argentino aprovou a lei que torna o aborto até a 14ª semana de gestação legal no país. Trata-se do primeiro país latino-americano a permitir que o procedimento seja feito num período tão tardio da gestação e com um amparo legal tão abrangente. Com a lei aprovada, agora o aborto faz parte do Programa Médico Obrigatório do sistema de saúde pública argentino, e, assim, deve ser realizado de maneira gratuita, sem necessidade de justificação. Além disso, a nova legislação obriga que mesmo médicos que aleguem objeção de consciência transfiram “sem demora” as pacientes que desejam abortar para médicos e hospitais que realizem o procedimento.

Causa espécie que uma lei que permita o aborto de uma maneira tão irrestrita tenha passado com a facilidade que passou na Argentina — país com um belo histórico de luta em defesa da vida e que apenas há dois anos vetou, no mesmo Senado, o mesmo projeto de lei (esta foi a oitava vez que a proposta foi ao parlamento argentino). A intensa oposição de parte significativa dos argentinos não conseguiu barrar um projeto como o que foi aprovado no último dia 30. Um retrocesso civilizacional triste e lamentável. O texto da nova legislação é ainda mais permissivo do que parece à primeira vista: se lermos com atenção, o que a lei transpira é que o aborto passa a ser permitido até bem mais do que 14 semanas. Como bem explicou uma matéria da Gazeta do Povo, o artigo 4-b da lei afirma que o aborto após a 15ª semana permanece ilegal — salvo em casos de estupro ou de “perigo à vida ou a saúde integral da mulher”. A palavra “integral” é um cavalo-de-troia: serve para explicitar que não é apenas a integridade física da mulher que será levada em conta, mas também sua saúde “mental e social”.

No Brasil, a pauta abortista nunca deixou de se fazer presente em todas as instâncias de poder. As tensões e os embates são contínuos e durante muitos anos, sob os governos tanto do PSDB quanto do PT, os abortistas foram obtendo avanços não desprezíveis, embora nunca ao ponto de uma ampliação conceitualmente substancial das hipóteses de aborto, como a que ocorreu agora na Argentina. Felizmente, por outro lado, de uma maneira surpreendente, a cultura pró-vida parece que foi amadurecendo no país e hoje, mais do que em anos atrás, um percentual maior de brasileiros se opõe ao crime abominável do homicídio dos que ainda não nasceram. Isso se reflete em grande medida no Congresso. A bancada pró-vida é mais significativa do que nunca, o que torna muito improvável a aprovação de medidas como a que vimos no país vizinho. Os maiores riscos neste momento emergem no STF, com um colegiado de fortes tendências progressistas, em clara falta de sintonia com o perfil da maior parte dos brasileiros, e em que alguns ministros parecem atuar não apenas como favoráveis ao aborto, mas como ativistas da causa. Os riscos, portanto, são grandes, via judicial, de um avanço das pretensões dos abortistas.

De qualquer forma, mesmo contando com uma maioria pró-vida e mesmo sabendo que, em nosso país, o risco maior se encontra no Judiciário, o que ocorreu na Argentina tem de servir de alerta a todos os cidadãos responsáveis. A atitude meramente passiva e reativa não é nunca a mais adequada. A causa pró-vida é nobre demais para estar apenas nas cordas, aguentando as investidas incansáveis dos que fazem da defesa do assassinato, sob os mais diversos eufemismos, um motivo de existência e de luta. Como apontam os dados, segundo pesquisa do ano passado, 75,4% dos brasileiros são contra o aborto — na parte ou no todo. Mas quase todo o movimento contra o avanço das pautas contra a vida tem sido apenas refratário, nunca ativo. E o caso argentino prova que estar na defensiva é sempre uma posição de desvantagem na política.

A atuação em defesa da vida deve envolver todos os fronts possíveis. É dever da sociedade civil pressionar as lideranças políticas, deixando claro qual a mensagem da população. É preciso, por exemplo, que o Estatuto do Nascituro — projeto fundamental para a proteção de mães e crianças — volte a avançar, e a sociedade precisa exigir que isso aconteça. Existe uma bancada com força no Congresso inclinada em prol desse posicionamento, mas ela não vai se movimentar sozinha. Nem muito menos a Presidência da Câmara deverá colocar o tema em votação sem pressão da sociedade.

No mesmo sentido, não basta o Planalto enviar mensagens de repúdio ao avanço da agenda abortista — não enquanto sua luta se limitar à verbalização de frases de efeito de cunho conservador. É preciso mais: campanhas de conscientização da população e dos profissionais de saúde e de assistência social; mudanças administrativas; políticas de assistência a mães em situação de vulnerabilidade, etc... É a primeira vez na história recente do país que o Governo Federal assume posições explicitamente pró-vida, o que é ótimo. Entretanto, é necessário ultrapassar o campo da mera retórica e da reatividade. Existem estruturas e recursos na saúde pública, na cultura e na educação que podem ser direcionados para fazer a coisa certa. Está nas mãos de todos nós, cidadãos e autoridades, conseguir que a voz em favor da vida seja a voz que se faça mais ouvir. Seria um bom legado que o ano que inicia deixaria para todos nós.

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