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| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Na última terça-feira, o Senado derrubou as medidas cautelares que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal havia decidido adotar contra o senador Aécio Neves. Os ministros do STF tinham determinado seu afastamento do mandato, com recolhimento noturno e entrega do passaporte à Justiça. Na semana passada, o plenário do STF decidiu que medidas cautelares que afetam o exercício do mandato parlamentar deveriam ser submetidas ao plenário da casa legislativa a que pertencesse o político; isso permitiu que o Senado analisasse o caso de Aécio. Imediatamente após o resultado, a indignação popular fez-se ouvir: os senadores tinham colaborado para a impunidade.

O senador mineiro foi gravado pelo empresário Joesley Batista, pedindo R$ 2 milhões que seriam destinados ao pagamento dos advogados que defendem Aécio na Operação Lava Jato. Essa gravação, que integrou a delação premiada do proprietário da JBS – posteriormente anulada, embora as provas coletadas sigam válidas para eventuais inquéritos –, levou a Procuradoria-Geral da República a oferecer denúncia contra Aécio ao STF por corrupção e obstrução de Justiça, além de instaurar um novo inquérito para investigar suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro.

Se o Senado mantivesse o afastamento de Aécio, prevaleceria o arbítrio e a interferência indevida entre poderes

São todos elementos que poderiam muito bem ensejar um processo de cassação dentro do Senado, em que os próprios pares decidiriam o futuro de Aécio dentro dos parâmetros definidos pela Constituição. Mas o tucano não precisou, até agora, encarar esse julgamento político. E, no STF, ele nem sequer era réu, pois a corte ainda não tinha tomado nenhuma decisão sobre a primeira denúncia, o que não impediu os ministros da Primeira Turma de afastar o senador.

Foi esse afastamento, realizado sem base constitucional – como tivemos a oportunidade de explicar em diversas ocasiões, pois o caso do tucano não se encaixa em nenhuma das seis hipóteses de perda de mandato estipuladas pelo artigo 55 da Carta Magna –, o erro inicial que permitiu que chegássemos ao ponto onde estamos. A situação de Aécio levou o STF a colocar em pauta uma ação movida inicialmente para beneficiar o ex-deputado Eduardo Cunha. Ali, em votação apertada, o Supremo decidiu que as medidas cautelares contra parlamentares eram, sim, cabíveis, mas aquelas que interferissem no desempenho do mandato teriam de ser submetidas ao Senado ou à Câmara, abrindo espaço para a votação que livrou Aécio.

Estando Aécio longe de ser um homem ilibado – como dissemos, há material mais que suficiente para embasar um processo por quebra de decoro –, o resultado no Senado tinha como ser diferente? No caso de duas das cautelares, o recolhimento noturno e a entrega do passaporte, tendo o Supremo, na prática, aceito a possibilidade de tais medidas, incluindo novas possibilidades de restrições ao direito de ir e vir de um parlamentar (até então resumidas à prisão em flagrante de crime inafiançável), uma confirmação das cautelares era cabível. Caso completamente diferente é o do afastamento. Ali, o resultado não poderia ser diferente porque, se o Senado mantivesse a decisão do STF, prevaleceria o arbítrio e a interferência indevida entre poderes, com uma punição gravíssima – a negação de um mandato concedido pelo voto popular – a alguém que nem sequer é réu na Justiça.

Leia também:O STF e o mandato parlamentar (editorial de 15 de outubro de 2017)

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Mas é ingenuidade achar que todos os senadores, ainda que discursassem em defesa da Constituição e da separação de poderes, tenham agido movidos por ideais tão elevados – basta lembrar da tentativa de promover uma votação fechada, ao contrário do que prevê a própria Carta Magna. Certamente houve quem votasse em favor do tucano esperando ver o favor retribuído no futuro, tantos são os senadores encrencados na Lava Jato. As movimentações para livrar o presidente Michel Temer da segunda denúncia oferecida contra ele pela PGR, e que tramita na Câmara dos Deputados, também tiveram peso naquela terça-feira – no dia seguinte, os deputados tucanos mineiros na CCJ foram os únicos de seu partido a votar pela aprovação do relatório que recomenda o arquivamento da denúncia.

Mas é outro ponto que nos ajuda a entender se a impunidade está prevalecendo ou não. Se estamos agora assistindo a um festival de ações heterodoxas que ofuscam a divisão de poderes e podem até ameaçar a Constituição, é porque os processos contra parlamentares tramitam a passos lentíssimos, exigindo aprovação do STF a cada procedimento de investigação. A combinação de labirinto legal e lentidão cria o caldo que permite a políticos cometer crimes e permanecer impunes. O perigo é que se queira contornar essa situação apelando para a arbitrariedade e para soluções ad hoc que geram crise institucional.

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