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| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Os ministros do Supremo Tribunal Federal provavelmente nunca se sentiram tão pressionados – e, em certos casos, até acuados – como nesses dias anteriores a um julgamento crucial para o país: o do habeas corpus preventivo impetrado pela defesa do ex-presidente Lula. Talvez por isso a presidente do STF, Cármen Lúcia, iniciou um pronunciamento veiculado na TV Justiça e nas mídias sociais afirmando que “vivemos tempos de intolerância e de intransigência contra pessoas e instituições. Por isso mesmo, este é um tempo em que se há de pedir serenidade”.

A ministra está incomodada com as críticas ao Supremo e a seus integrantes; como presidente da instituição, é natural que zele pela imagem da suprema corte, o que inclui esse incomum pronunciamento televisivo. Mas quanto dessa revolta do brasileiro “contra pessoas e instituições” não deveria ser colocada na conta do próprio Supremo? Seria improvável que Cármen Lúcia fizesse um mea culpa em seu pronunciamento, mas em fevereiro deste ano ela foi certeira quando, ao inaugurar uma prisão em Goiás, disse que “o cidadão brasileiro está cansado da ineficiência de todos nós, e cansado inclusive de nós do sistema judiciário”.

Quanto dessa revolta do brasileiro “contra pessoas e instituições” não deveria ser colocada na conta do próprio Supremo?

E, no caso de Lula, o cansaço popular tem muita razão de ser: o senso de justiça do brasileiro é ofendido quando um condenado pelo Judiciário roda o país fazendo-se de vítima e iniciando uma campanha eleitoral da qual todos sabem que ele não poderá participar. E Lula só teve essa possibilidade porque ela lhe foi dada pelo próprio Supremo, que concedeu ao ex-presidente um salvo-conduto para “compensar” a decisão de adiar o julgamento do habeas corpus – julgamento este, aliás, que furou a fila do STF, deixando para trás habeas corpus de vários outros cidadãos brasileiros, alguns dos quais já presos.

“Há de se respeitar opiniões diferentes”, pediu a presidente do Supremo. A frase, tomada isoladamente, é sensata, mas do que ela está falando exatamente? A discussão sobre a prisão após condenação em segunda instância, sim, é questão de interpretação do texto constitucional. Ali há um embate legítimo de teses e opiniões, ainda que se adote uma delas, discordando da outra.

Mas não é isso que está em jogo nesta quarta-feira. O que os ministros vão – ou pelo menos deveriam – julgar é se, vigorando determinado entendimento sobre o início do cumprimento da pena, Lula deve ser poupado da aplicação desse entendimento. Em outras palavras: decidirão se a legislação e a jurisprudência devem ou não ser aplicadas ao ex-presidente. E os mais preocupados com a possibilidade de uma eventual concessão do habeas corpus temem que Cármen Lúcia esteja falando exatamente da reação do país a uma decisão que beneficie Lula. Aqui reside o grande problema: a defesa da impunidade, o desprezo pela lei, nada disso é mera “opinião diferente” ou “diferença ideológica”, e sim um golpe na jovem democracia brasileira. É sintomático que, como mostrou reportagem do jornal O Globo, o caso que, em 2009, levou o Supremo a decidir pela prisão apenas depois de esgotados todos os recursos aos tribunais superiores tenha terminado em prescrição e impunidade.

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Que fique claro: decisões judiciais devem ser cumpridas. Se o Supremo decidir manter Lula livre, por mais que não haja nenhum motivo justo para a concessão do habeas corpus, que se respeite a determinação, e que ninguém comprometido com a democracia cogite o uso da força – “violência não é justiça. Violência é vingança e incivilidade”, disse Cármen Lúcia, com razão. Mas isso não significa uma aceitação bovina ou a “acomodação” prevista pelo ministro Gilmar Mendes. A reação precisa ser firme, dentro dos marcos institucionais, com a crítica incisiva e bem fundamentada, amparada pela liberdade de expressão.

Nesta quarta-feira, saberemos se o Brasil pode comemorar um amadurecimento democrático a ponto de a lei ser aplicada também no caso de um ex-presidente que se julga acima de tudo e de todos, ou se permanecemos uma república bananeira e personalista, onde a aplicação da lei depende mais da pessoa em questão que dos fatos que a levaram aos tribunais. O Supremo já podia ter dirimido essa dúvida, mas se omitiu; agora, tem uma nova chance. Que os ministros, para usar as palavras de Cármen Lúcia, superem as dificuldades fortalecendo “os valores morais, sociais e jurídicos”.

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