Um episódio particularmente surreal do atual apagão da liberdade de expressão no Brasil consiste na forma como o ex-deputado estadual paranaense Homero Marchese caiu nas garras da censura imposta por Alexandre de Moraes, e o que ocorreu depois que ele se livrou delas. Marchese foi banido das mídias sociais por publicações que ele não havia feito sobre a presença de ministros do STF em Nova York – a única postagem realmente feita pelo ex-deputado continha apenas uma ironia que só a muito custo poderia ser lida como incitação a agressões. Tendo recuperado o acesso aos perfis, Marchese obteve decisão judicial pela qual deveria ser indenizado pela União, mas Moraes não só cassou a sentença como também ordenou que o Conselho Nacional de Justiça investigasse o juiz responsável pela decisão.
Novos detalhes da perseguição contra Marchese foram revelados na quarta-feira, em mais uma das reportagens do jornal Folha de S.Paulo baseadas em 6 gigabytes de mensagens e áudios de WhatsApp obtidos pelo jornalista Glenn Greenwald. Além da já conhecida atuação “fora do rito”, com um órgão do Tribunal Superior Eleitoral – do qual Moraes era presidente – agindo para subsidiar decisões tomadas em inquéritos do Supremo Tribunal Federal relatados pelo ministro, a troca de mensagens entre o juiz instrutor Airton Vieira (lotado no STF) e o perito Eduardo Tagliaferro (chefe do setor de “combate à desinformação” do TSE) mostra que a ofensiva judicial contra o então deputado foi construída sobre uma sequência de erros.
A imposição de censura ao então deputado Homero Marchese ocorreu com erros e contradições do início ao fim, e “violação do sistema penal”, como argumentou a PGR
O relatório feito por Tagliaferro e usado por Moraes para justificar a censura a Marchese afirmava que as postagens identificando o hotel onde os ministros se hospedariam tinham chegado ao conhecimento do TSE por meio de uma denúncia anônima, e que o relatório havia sido solicitado pelo juiz Marco Antônio Vargas, auxiliar de Moraes. No entanto, fora Vieira quem tinha enviado a Tagliaferro os arquivos, com direito a um “o ministro pediu”, em relação à solicitação de que seus autores fossem identificados. O perito do TSE apontou Marchese, de forma errônea, como responsável por uma imagem que ele não compartilhou, e que consistia em uma montagem feita sobre um card que, este sim, havia sido divulgado pelo então deputado, mas que apenas continha informações de conhecimento público sobre o evento de Nova York. E, embora Tagliaferro reconhecesse explicitamente não ter conseguido identificar o autor das publicações com o endereço do hotel dos ministros, a decisão de censura mencionava justamente essa divulgação como um dos argumentos para tirar o acesso de Marchese a seus perfis.
O caso de Marchese ainda desmonta duas alegações feitas por Moraes quando a Folha de S.Paulo começou a publicar suas reportagens. Tanto ele quanto Gilmar Mendes argumentaram que todos os alvos dos relatórios do TSE já eram investigados nos inquéritos do Supremo. No entanto, esse não era o caso de Marchese. Moraes ainda afirmou que todos os recursos foram encaminhados ao plenário do Supremo, e que a Procuradoria-Geral da República acompanhou todas as fases dos processos. Mas, de acordo com a apuração feita pela Folha, não apenas Moraes jamais levou ao plenário qualquer recurso apresentado por Marchese, como também, nas poucas horas que separaram o envio do relatório e a decisão de Moraes censurando o deputado, nem o deputado, nem a PGR tomaram conhecimento do que estava acontecendo, em clara violação do direito à ampla defesa.
Em resumo, erros e contradições do início ao fim, e “violação do sistema penal”, como argumentou a PGR sobre o uso de estruturas do TSE para investigações em outra corte, e sobre temas que não tinham relação com o processo eleitoral. Os problemas são tantos, e de tanta gravidade, que é inexplicável a reação tão pífia da sociedade civil e dos formadores de opinião. Um sistema genuinamente soviético – para usar uma expressão tão querida a Gilmar Mendes em seus ataques infundados à Lava Jato – foi construído sorrateiramente para a perseguição de críticos aos tribunais superiores, e no entanto isso vem sendo tratado praticamente com indiferença, ou minimizado de todas as formas possíveis. O silêncio, agora, é conivência com a destruição da democracia.
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