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Defensores da redução da maioridade penal conseguiram uma vitória inicial na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados no fim de março. A CCJ votou pela admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93, que reduz para 16 anos a idade mínima para o autor de um crime responder plenamente pelos atos cometidos. Isso não significa que haverá mudança na maioridade penal: trata-se apenas de um sinal verde para que o tema seja debatido no âmbito do parlamento.

Se não vivêssemos o caos no sistema prisional e se a impunidade não fosse a regra em nosso país, a redução da maioridade penal para 16 anos seria adequada, em consonância com a constatação de que, na sociedade contemporânea, a maturidade dos jovens vem ocorrendo cada vez mais cedo. Uma sinalização legal seria inclusive um reforço na construção do caráter de jovens conscientes de que suas ações têm consequências. Mas, hoje, nosso aparato policial desvenda apenas uma fração ínfima dos crimes cometidos, e o padrão de nossas cadeias é o de “depósitos de presos”, quando o ideal seria que um jovem eventualmente punido com prisão pudesse cumprir sua pena com outros de sua idade. Estamos muito longe das condições que tornariam eficaz uma redução da maioridade penal.

O debate na CCJ, porém, não foi tanto sobre a maioridade penal em si (embora diversos membros também tenham tratado do assunto na sessão do dia 31), mas sobre a constitucionalidade da PEC: o patamar de 18 anos, determinado pelo artigo 228 da Constituição, é ou não uma cláusula pétrea, imutável? Aqui, em vez de argumentos envolvendo educação, política carcerária e até neurociência, presentes no debate sobre a idade mais adequada para estabelecer a maioridade penal, é preciso debruçar-se sobre a letra da Constituição, compreender a intenção do legislador e apoiar-se naqueles que a comentam. Nosso ponto de partida é o parágrafo 4.º do artigo 60 da Constituição, que trata das emendas à Carta Magna. Segundo o texto legal, “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (...) IV – os direitos e garantias individuais”. A pergunta que se coloca é: a maioridade penal aos 18 anos se encaixaria no conceito de “direitos e garantias individuais”?

A maioridade penal aos 18 anos se encaixa no conceito de “direitos e garantias individuais”?

Há bons argumentos de ambos os lados. Muitos juristas veem no estabelecimento da maioridade penal aos 18 anos um direito do adolescente a não ser tratado como adulto caso cometa um crime, direito este que só não estaria no Título II da Constituição (que vai dos artigos 5.º a 17 e trata dos “direitos e garantias fundamentais”) por estar inserido em um capítulo específico que trata da proteção especial à família, à criança, ao adolescente, ao jovem e ao idoso. Assim, a fixação dos 18 anos como patamar para a maioridade penal seria, sim, cláusula pétrea, mesmo sem constar do trecho da Constituição que trata explicitamente dos “direitos e garantias fundamentais”.

Por outro lado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello disse, no dia seguinte à votação na CCJ, que eventual mudança não é inconstitucional, e fez um paralelo com a aposentadoria compulsória no serviço público. Por esse raciocínio, ao se estender demais o conceito de “direitos e garantias individuais”, a Carta Magna ficaria engessada. Quem defende a constitucionalidade da mudança na maioridade penal entende que o estabelecimento da idade de 18 anos se afigura mais como ferramenta de política criminal que como a definição de um direito irrevogável do adolescente criminoso.

Parece-nos óbvio que os “direitos e garantias fundamentais” certamente não ficam restritos ao Título II da Constituição; quanto a isso, os juristas parecem estar em consenso. A dúvida vem quando se analisam os demais artigos da Carta Magna que estabelecem direitos – e são muitos. Não nos parece que o ânimo do legislador de 1988 tenha sido o de criar uma Constituição engessada e imutável, mas cada caso precisa ser analisado individualmente. O caráter da maioridade penal como cláusula pétrea é tão difícil de definir que, embora a CCJ da Câmara tenha considerado constitucional a PEC 171, a CCJ do Senado vetou, no ano passado, uma PEC muito semelhante justamente por considerar a mudança inconstitucional. Talvez seja melhor que, neste caso, o STF, como guardião e intérprete da Constituição, seja chamado a dar a palavra final – e, se isso ocorrer, sua decisão terá uma enorme repercussão, abrindo caminhos para que possamos entender o real alcance das cláusulas pétreas em nossa legislação.

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