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O presidente Jair Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro.| Foto: Evaristo Sá/AFP

A ausência de um plano consistente do Governo Federal para enfrentar a pandemia da Covid-19 está deixando parcela da população brasileira desnorteada em relação ao futuro. Com mais de 43 mil mortos e milhões de desempregados, a sociedade não vislumbra um final próximo para a presente crise, sentimento que em parte se deve à incapacidade em estabelecer um planejamento que inclua metas, objetivos, propostas de intervenção e planos de articulação interinstitucional e interestadual para superar os desafios que a situação impõe.

Em março, o STF decidiu que estados e municípios poderiam legislar sobre medidas de isolamento social, incluindo períodos de quarentena e regras de circulação de pessoas. A decisão, baseada numa interpretação pouco ortodoxa da Constituição Federal, conferiu para os entes federados poderes que na prática eram prerrogativa da União, em situações de exceção. Desde então, Jair Bolsonaro parece ter optado por uma postura ambígua, que necessita avaliação menos desapaixonada dos seus méritos e deméritos.

Por um lado, o Presidente parece ter aceitado que a decisão do tribunal impedia o seu governo de apresentar uma solução obrigatória para os entes subnacionais. Constantemente, o Palácio do Planalto faz referência à definição de prerrogativas de governadores e prefeitos pelas Cortes em resposta às cobranças sobre as mortes que continuam se acumulando no país. Ao mesmo tempo, aponta para os problemas econômicos precipitados pelas medidas de isolamento social, com a perda de milhões de empregos nos últimos meses, sem que isso viesse acompanhado da esperada diminuição do número de mortes. Em sua live semanal, no último dia 11, Bolsonaro chegou ao ponto de incentivar invasões de hospitais de campanha pela população para filmar as instalações e verificar se os leitos estão sendo utilizados ou não, numa espécie de arroubo conspiratório, como se a pandemia não passasse de uma farsa para governantes desonestos desviarem recursos públicos. Governantes, aliás, que são alvo de frequentes críticas do presidente, como se todos que tivessem opiniões diferentes da sua sobre a gestão da pandemia fossem mal intencionados.

Por outro, o Governo Federal continua atuando para viabilizar as condições de possibilidade dessas mesmas medidas. Do ponto de vista da saúde, até o final de maio, segundo informações oficiais, foram liberados mais de 200 bilhões de reais para estados e municípios, somando envios diretos e renegociações com a União e com bancos públicos. Além disso, o Ministério da Saúde afirma que disponibilizou para a ponta do sistema de saúde médicos, leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), testes de Covid-19 e medicamentos. Do ponto de vista da economia, programas de distribuição de renda para milhões de brasileiros, além de diversas iniciativas de auxílio às empresas possibilitaram a mitigação dos problemas causados pela interrupção da atividade econômica. Todas essas medidas, de certa forma, compuseram um paraquedas para reduzir os danos provocados pela pandemia, possibilitando que governantes pudessem operar com mais tranquilidade. Afinal, ao mesmo tempo que dispunham de mais recursos e insumos do Governo Federal, prefeitos e governadores puderam contar com medidas socioeconômicas de larga escala que reduziam a insatisfação social com a interrupção da atividade econômica e possibilitavam que milhões de pessoas pudessem se isolar em suas casas sem a necessidade de enfrentar os riscos do desemprego ou da fome iminente.

Essa postura aparentemente esquizofrênica encontra coerência momentânea em discursos ocasionais do Planalto quando quer parecer enfatizar simultaneamente a preservação da vida e do emprego dos brasileiros. Porém, o esforço constante em desacreditar medidas de isolamento logo expõe aquilo que parece ser uma tática de estimulação contraditória. É como se o Presidente tentasse navegar com os pés em duas canoas ao mesmo tempo, almejando o lucro em ambas, mas nunca a responsabilidade sobre os danos correspondentes. Nesse sentido, chama a atenção que, ao contrário da maior parte das nações do mundo, o Brasil nunca tenha apresentado um plano coerente de enfrentamento do problema, que pudesse servir de orientação para a sociedade ou mesmo contraponto às decisões dos governantes locais, constantemente criticadas pelo Presidente.

Nesse sentido, é interessante comparar com o caso de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos da América (EUA) e aliado de primeira hora de Bolsonaro no plano internacional. Depois de passar semanas minimizando os impactos do vírus no país, Trump mudou de tom já no dia 11 de março, quando anunciou suspensão de viagens da Europa para os EUA. Entre erros e acertos, o presidente norte-americano procurou construir pontes com governadores e prefeitos para viabilizar medidas de isolamento social em locais avaliados como críticos, mesmo num contexto como o da federação norte-americana, sem um sistema de saúde centralizado e sem os conflitos entre Poderes que marcaram a crise por aqui. No dia 16 de abril, o governo lançou um plano para reabertura da economia em três fases, estabelecendo critérios para ajudar a aliviar as restrições. Ainda que não tenha sido instituído em caráter obrigatório, o plano deveria servir de guia para a sociedade e os governantes, complementando as ações que a União vinha executando em termos de assistência à saúde, proteção social e socorro ao empresariado. Em que pesem as divergências internas de avaliação entre o presidente norte-americano e muitos governadores, o plano serviu de baliza para o debate, um guia orientador, obrigação mínima de governos centrais em épocas de calamidade pública.

No Brasil, Luiz Henrique Mandetta saiu em abril antes que apresentasse uma proposta coerente. Nelson Teich, um mês depois, abandonou o cargo pouco depois de cancelar uma coletiva em que apresentaria um planejamento à sociedade. O General Eduardo Pazuello, interino, parece ter assumido a posição já sem nenhum esforço em dar um panorama coerente para a sociedade sobre o que deve ser feito nas próximas etapas. Nesse ínterim, as comunicações do governo têm se restringindo a prestações de contas pontuais, com anúncios daquilo que se pretende fazer em breve. Ao final de cada coletiva, permanece a sensação de não se saber para onde o país vai, em qual direção, com que objetivo e por quanto tempo.

Espera-se de um presidente que ele desempenhe um papel ativo de liderança numa crise como essa. Ele precisa apresentar uma proposta para os seus governados para a condução do problema, prestar condolências aos mortos e familiares de tempos em tempos, homenagear as equipes de saúde envolvidas no combate à pandemia, visitar os estados e cidades afetadas etc. Ainda que o STF tenha definido uma descentralização das medidas de isolamento social, o Governo Federal não pode se furtar a disputar critérios, apontar medidas mais efetivas, melhorar os dados para a tomada de decisão dos governantes e disponibilizar os recursos segundo ordens claras de prioridade. Até aqui, o que tem sido feito denota certo descaso em relação à pandemia. Por mais que os porta-vozes do governo possam elencar ações, falta coerência e uma estratégia de comunicação coerente e unificada.

Com o país chegando nas primeiras posições mundiais em quantidade de mortos pela doença, é preocupante a desorganização do governo no enfrentamento do problema. Ainda que a quantidade de atendimentos esteja se reduzindo em muitos estados, não é possível sentenciar que a pandemia está próxima do fim. Várias nações já vêm enfrentando uma nova onda de infecções e isso pode acontecer por aqui em breve. O avanço do inverno em muitos estados e a diminuição da temperatura podem facilitar a ocorrência de novas ondas de contaminação. Sem contar que os brasileiros não sabem quantos ao certo já foram infectados pelo vírus, quantos foram imunizados e quantos ainda estão sujeitos a sua ação. A falta de uma política de testes em massa faz com que estejamos operando no escuro.

Por causa disso, até mesmo a retomada das atividades econômicas em muitos estados e municípios tem sido enxergada por especialistas com certo ceticismo. A embarcação parece entregue ao humor de ventos inconstantes e o capitão, que parece abandonar o destino da nau aos seus subordinados, sequer contribui com o moral da tripulação, isso quando não trabalha ativamente para baixá-lo. Continuando assim, o que podemos esperar ao final dessa tempestade?

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