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Secretário Carlos Nadalim durante lançamento do Programa Tempo de Aprender, em fevereiro de 2020.
Secretário Carlos Nadalim durante lançamento do Programa Tempo de Aprender, em fevereiro de 2020.| Foto: Walterson Rosa/MEC

Uma das pastas mais criticadas desde o início do mandato de Jair Bolsonaro, o Ministério da Educação é o que até aqui mais apresentou rotatividade de comando. Gafes e polêmicas envolvendo seus ministros também foram marcas registradas de sua atuação neste ano e meio desde a eleição presidencial. Aos olhos dos críticos, é também a pasta que menos apresentou resultados concretos. Muitas dessas avaliações têm sólidos fundamentos. Em meio à desorientação aparentemente dominante, no entanto, algumas secretarias começam a mostrar iniciativas consistentes e positivas, entre as quais a Secretaria de Alfabetização (Sealf) e a Secretaria de Educação Básica (SEB).

O quadro em que operam essas secretarias é desalentador. O desempenho brasileiro nas avaliações internacionais aponta para resultados inaceitáveis, fruto de décadas de descuido e de falta de coragem para abandonar soluções que se mostraram fracassadas. Na última edição do Pisa realizada em 2018, o Brasil ficou em 57º lugar em leitura, 66º em ciências e em 70º em matemática, bem abaixo da média dos países da OCDE. Não é difícil dar-se conta que o problema não é basicamente de montante total de recursos. Quando muito, nesse campo econômico, de equilíbrio de investimentos. Hoje na educação básica, segundo levantamento da OCDE, o país investe anualmente cerca de US$ 3,8 mil por aluno, enquanto que na educação superior o valor chega a US$ 11,7 mil. No entanto, quando se olha em porcentagem do PIB investido em educação básica, o Brasil investe 0,6%, não muito longe dos países da OCDE: 0,8%.

Mas não é só do aumento do valor investido por aluno ou de uma transferência de orçamento da educação superior para a básica que virá a solução do problema. Afinal, o MEC de 2009 a 2017 teve um aumento considerável de orçamento, passando de R$ 69,5 bilhões para R$ 98,6 bilhões. Contudo, o desempenho escolar apresentou resultados pífios. O orçamento para o ano de 2020 está cotado em R$ 101 bilhões. Isso indica que o problema da educação brasileira é mais de método que orçamentário. E nesse quesito, longe dos holofotes e contando com uma estabilidade surpreendente para um ministério tão instável como o MEC, o trabalho da Secretaria de Alfabetização (Sealf), criada no atual governo, está começando a apresentar um trabalho consistente e que pode para dar novos rumos para o ensino básico brasileiro.

Especificamente, a atenção especial em relação à alfabetização veio de constantes pesquisas e relatórios informando dados alarmantes neste quesito: cerca de 30% da população brasileira pode ser enquadrada como “analfabeto funcional”, isto é, pessoas que até decodificam as palavras, mas são incapazes de depreender delas os significados. Outra pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro (referência no assunto e que mede regularmente o nível de alfabetização dos brasileiros) identificou que apenas 22% dos universitários ou graduados são realmente proficientes em leitura.

Para corrigir esse cenário catastrófico, era de se esperar uma guinada radical no que estava sendo realizado até então. A Sealf, por meio de seu secretário Carlos Nadalim, implementou uma série de medidas que foram detalhadas em reportagem exclusiva da Gazeta do Povo. Resumindo: já em abril de 2019 a secretaria apresentou o Programa Nacional de Alfabetização (PNA) em que, pela primeira vez, difundiu-se o que havia de pesquisa de ponta sobre o tema da alfabetização em todo o mundo, escapando da corrente socioconstrutivista que predomina na educação brasileira. Após definir o norte, a secretaria começou a implementar medidas que pudessem servir de base para que as secretarias municipais e estaduais de educação pudessem adotar as novas metodologias em suas escolas (dado que o MEC não gerencia diretamente o ensino fundamental no país). Entre essas medidas, podem-se citar: a) em junho de 2019, a adesão ao teste PIRLS (sigla para Progress in International Reading Literacy Study), teste internacional que ocorre a cada cinco anos, do qual participam mais de 50 países, e é considerado o padrão ouro para medir o nível de leitura das crianças no final dos anos iniciais; b) em agosto de 2019, o lançamento de uma cartilha explicativa do PNA aos profissionais da educação; c) no final do ano passado, a criação do programa Conta Pra Mim, visando estimular a leitura de histórias para crianças; d) em fevereiro de 2020, a efetivação do programa Tempo de Aprender, a plataforma online de aprimoramento de professores e que é até o momento o conteúdo mais acessado do portal do MEC, responsável por 23% de todas as inscrições no site. Ainda sobre o último ponto ressalta-se que ele visa a solução de um problema crônico na educação brasileira, que é a “formação continuada de profissionais de alfabetização”, ou seja, a formação continuada dos professores da rede primária.

Um trabalho consistente, contrastando com a imagem que alguns tinham de Nadalim, como membro destacado da “ala ideológica”, mais interessada em acumular discussões e polêmicas nas redes sociais. De fato, Nadalim foi aluno do filósofo Olavo de Carvalho, conhecido por uma linguagem às vezes áspera e cortante e inspirador da referida “ala”. Por aí se vê como também é importante não deixar-se guiar por estereótipos. O trabalho do secretário deve ser avaliado pelo que ele próprio faz e diz.

Em abril deste ano, Nadalim ganhou uma aliada para a reformulação na educação primária. Ilona Becskeházy assumiu a Secretaria de Educação Básica (SEB) e começou atuar de forma alinhada com a Sealf.

Ilona, que entre outras coisas foi uma das responsáveis pela formatação do currículo do município de Sobral no Ceará (que hoje desponta com os melhores indicadores do país em matéria de alfabetização), acredita que os problemas dos primeiros anos na educação estão ligados a um currículo frágil somado a materiais didáticos inadequados, à deterioração dos parâmetros técnicos e aos critérios de repasse.

Para começar a lidar com esses problemas e em complemento ao programa Tempo de Aprender, as duas secretarias elaboraram o edital PNLD infantil 2022. Será a primeira vez na história brasileira que as fases ditas pré-escolares receberão livros didáticos específicos para essa faixa etária. Ilona afirmou que “uma etapa pré-escolar só é considerada suficiente quando cumpre a intencionalidade pedagógica, no sentido de apresentar ao aluno o início da literacia e numeracia”.

Os críticos ao edital afirmam que o currículo infantil vai deixar de ter eixos estruturantes em “interação” e “brincadeiras”, e que as crianças passarão a ser “obrigadas” a entrar na escolarização de forma precoce, perdendo direitos de aprendizagem como conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Fábio Gomes, diretor de Políticas de Alfabetização do MEC, defende-se dessa visão afirmando que a intenção do material didático “é abordar o lúdico. Ter um livro, evidentemente, não anula isso”. E complementa: “enquanto a Base Nacional Comum Curricular impõe a necessidade de se trabalhar com campos de experiências, nada impede que esses campos sejam trabalhados com o auxílio de um livro didático. Estamos pensando nele como uma ferramenta pedagógica dentre as diversas que podem ser utilizadas pelo professor.”

Na verdade, os movimentos das duas secretarias apontam para uma aproximação maior com os padrões internacionais de educação básica. A Unesco, por exemplo, entende a educação infantil como etapa preparatória para a entrada no ensino fundamental e, portanto, para a aquisição da alfabetização. Tanto a Sealf como a SEB têm lutado não para elevar o orçamento da educação, mas a qualidade de métodos de acordo com o que há de melhor na literatura científica internacional sobre o ensino primário. O que sob muitos aspectos é até mais difícil; a luta por uma elevação na qualidade exige um grande sacrifício de toda a sociedade: alunos, professores, pais e gestores escolares.

Evidentemente, os resultados dessas mudanças pedagógicas só poderão ser bem mensurados no médio prazo, contanto que o trabalho tenha continuidade suficiente para que se possam avaliar seus frutos. Até aqui, as bases desse trabalho resistiram às constantes mudanças de comando. Espera-se que cheguem a bom termo.

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