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As cidades e o futuro
| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Nada é mais previsível e repetitivo em termos de administração pública do que legião de prefeitos voando todos os anos para Brasília atrás de solução para seus problemas financeiros. Com 5.570 municípios, a maioria financeiramente falida e sem recursos para obras de infraestrutura e serviços públicos, os prefeitos tentam obter dinheiro do governo federal para pagar suas contas. Quem quiser conhecer a pobreza brasileira e a péssima condição estrutural das cidades não precisa mais que um passeio ao acaso a 10% dos municípios, escolhidos aleatoriamente, sejam grandes, médios ou pequenos. A identificação de quanto o país é pobre e atrasado será vista a olho nu, sem necessidades de estudos e estatísticas sofisticadas.

O argumento usado pelos prefeitos é sempre o mesmo: segundo eles, há injustiça na divisão do bolo tributário nacional, pois acreditam que o porcentual da arrecadação tributação geral destinada aos municípios é insuficiente e inferior à parcela de serviços públicos de competência municipal. Essa reclamação vem de longe e continuou mesmo após a Constituição Federal de 1988 ter redividido o bolo tributário e aumentado a parcela dos estados e dos municípios, diminuindo a parcela da União. Desde então, as autoridades federais passaram a dizer que a União entraria em dificuldade por sua parcela na arrecadação ter sido reduzida sem que houvesse transferência de tarefas e responsabilidades para estados e municípios na mesma proporção.

Parte dos municípios chafurda no atraso técnico e administrativo

Foi a partir dessa realidade que o governo federal passou a criar “contribuições sociais”, como a Cofins, o PIS e a CSLL, que não são repartidas com os estados e os municípios. Os prefeitos dizem que, com a criação de contribuições sociais, a carga tributária nacional aumentou, sem que os municípios fossem beneficiados. Ocorre que, no Brasil, a regra mais sólida na política é sempre jogar a culpa dos problemas nos outros. Desde 1988 até hoje, foram criados 1.218 municípios, passando de 4.352 para os atuais 5.570. É bem verdade que a população aumentou, mas não foi isso que determinou a criação de municípios, e sim interesses políticos de partidos ou de grupos que levaram ao aumento do número de cidades, boa parte sem viabilidade financeira em face da pobreza e do pequeno porte.

Outro aspecto que merece atenção é a ineficiência econômica e gerencial na administração pública municipal, com estruturas burocráticas inchadas, processos operacionais atrasados, funcionários mal preparados e baixa produtividade. O mundo atual está vivendo uma avalanche de microrrevoluções tecnológicas que irão mudar profundamente as estruturas produtivas, o nível de emprego e a vida das pessoas, a exemplo da inteligência artificial, da revolução na biotecnologia, dos metamateriais e da disrupção tecnológica. Enquanto isso, parte dos municípios chafurda no atraso técnico e administrativo, contaminados por ineficiência e falência financeira, além de altos índices de corrupção.

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Desde o início desta segunda década do século 21, a Organização das Nações Unidas (ONU) vem produzindo estudos e fazendo alertas sobre o futuro das cidades. Em 2012, um estudo denominado A Era das Cidades mostrou que o desenvolvimento das nações e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) passariam a depender essencialmente das cidades, suas deficiências, seus gargalos e suas soluções. Esse estudo é de leitura obrigatória a todos quantos se preocupem com o rumo da administração dos municípios. Diz a ONU que “serão as grandes cidades, e não os países, que passarão a comandar a criação de riqueza. Os prefeitos terão de fazer frente à Era das Cidades na economia mundial, ou seja, cada problema, deficiência ou gargalo deixa de ser problema só dela para tornar-se um empecilho à economia de todos o país. O bom ambiente urbano é tão determinante para as atividades econômicas, no século 21, como a proximidade energética e a matéria-prima foi para a indústria no século 19”. O governo, por decisão do Congresso Nacional, está para recriar o Ministério das Cidades. Pode ser uma boa ideia, pode ser uma má ideia. Se esse ministério vier para contribuir na revolução das cidades e na melhoria da gestão municipal, sua recriação poderá ser boa para o país. Porém, caso ele renasça apenas para ser mais um órgão burocrático, ineficiente e a serviço de interesses eleitorais, então, o Ministério das Cidades será apenas mais um ente estatal indigno de existir.

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