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A reportagem “As mães menininhas da Vila Esperança”, publicada pela Gazeta do Povo, revisitou um trabalho realizado pelo jornal há oito anos. À época, dados governamentais apontavam que uma antiga Cohab do bairro do Atuba – a “Nova Esperança” e as ocupações irregulares que surgiram ao seu redor – contabilizavam o mais alto grau de gravidez adolescente da cidade: 39 a cada 100 mães da região tinham menos de 19 anos. Em 2015, o cenário estatístico é outro. Hoje, 14 a cada 100 mães do complexo Esperança são adolescentes.

Mas nem tudo são flores. Se na maior parte da Vila Esperança há menos mães menininhas, o mesmo não se pode dizer da Rua Alegria – nome dado a uma ocupação surgida próxima da vila, há 20 anos, onde moram 80 famílias, algo próximo de 400 pessoas. É região favelizada de fato, às margens do Rio Atuba, formada por um labirinto úmido de sub-habitações. Só nesse encrave há 15 mães adolescentes, algo como 40% das meninas que moram no local.

Causa impressão constatar que aos 14 ou aos 15 anos muitas adolescentes não sabem do risco da gravidez

Grosso modo, é de se festejar a redução da gravidez adolescente na última década. Em toda a capital, não chega a 12 a cada 100 gestantes. Mas não se pode dizer o mesmo de muitas regiões do Paraná. Em Adrianópolis, na Região Metropolitana de Curitiba, por exemplo, esse número chega a 30 a cada 100. Adrianópolis não está sozinha – regiões de Telêmaco Borba, Paranaguá e Guarapuava ultrapassam a faixa de 20% de gestação adolescente, a partir dos dados da Secretaria de Estado da Saúde de 2014. Detalhe, na maioria das regionais do estado, a porcentagem de mães menininhas entre 10 e 14 anos ultrapassa 5% dos casos. É número alto, levando em conta que essas mães mal tiveram seus corpos formados e que fatalmente serão apartadas da escola.

A pergunta que emerge junto com os números é sempre a mesma: “Mas como?” Há uma crença desmesurada na sociedade da informação. Causa impressão constatar que aos 14 ou aos 15 anos muitas dessas adolescentes não sabem do risco da gravidez. Pois se deve considerar que se trata de uma verdade – ou pelo menos uma parte dela: muitas meninas não sabem dos mecanismos. Falta diálogo, conversa e orientação das mães nesse – e em outros tantos – assuntos.

Embora a gravidez adolescente não seja um problema exclusivo de bairros pobres e periferias, se agrava nessas áreas. Há uma soma evidente de fatores – família de baixa escolaridade, falta de orientação, pouco acesso à cultura e ao lazer, ausência de expectativas profissionais, baixa autoestima. Some-se a violência. Não é raro encontrar meninas que se dizem vítimas de estupro. Há também outro dado que exige esforço sociológico para ser percebido. Ainda que esse não seja um dado objetivo, as mães menininhas costumam ser as mais bonitas das comunidades. Conquistá-las é exibir um troféu em áreas onde também os meninos acumulam poucas vitórias. Aferir essas relações perigosas exige destreza, delicadeza, humanidade e ética.

Acrescente-se que nada disso vem revestido de romantismo. Rara a mãe menininha que relate uma história de amor. “Se eu não cedesse, seria desgraçada pela falação”, contou uma à reportagem. E a “falação” dentro das comunidades pode ser um fardo pesado de carregar, principalmente quando faltam valores sólidos na vida das adolescentes. O resultado é que muitas uniões acabam pouco depois de começarem. Muitas das mães menininhas que haviam se casado já estão separadas, e podem ser incluídas nas 20 milhões de mães solteiras do país.

Outro problema são as drogas, que aumentam a vulnerabilidade das jovens. Sem contar que engravidar meninas é uma mostra de força dos traficantes. Em mais de um relato eles aparecem como pais de uma grande prole, com mulheres diferentes. Num ambiente de baixa instrução e horizontes reduzidos, não é de se espantar que tais práticas tendam a se impor e a ser naturalizadas. Meninas de 12, 14 ou 16 anos, mesmo informadas – como se argumenta – têm pouco ou nenhum empoderamento para resistir às investidas. Sem dizer que ser mãe em algumas situações pode parecer às meninas uma forma de ser alvo de maior respeito – coisa rara no dia a dia delas – e destinatária de alguns ganhos no campo da caridade. Sacolas de roupa e cestas básicas confortam a menina com um filho para criar – ou pelo menos muitas têm essa ilusão.

De qualquer modo, não se trata de julgar as mães menininhas. O importante é encontrar caminhos para que a maternidade não chegue a elas como fruto da violência ou da baixa autoestima. E para isso é necessário envolver toda a comunidade – pais, mães, adolescentes, escolas, igrejas. Resgatar nessas jovens o valor do próprio corpo e da dignidade, o interesse pelos estudos, pela cultura, incentivar os sonhos quanto ao futuro. Por fim, cabe também ações para as que já são mães – ajudando-as a voltar à escola. Com pouca instrução, dificilmente deixarão lugares como a Rua da Alegria.

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