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| Foto: José Cruz/Agência Brasil

Talvez como reflexo do caos econômico provocado pela “década perdida” que chegava a seu fim, o constituinte de 1988 inseriu na Carta Magna um dispositivo que, de tão importante, ficou conhecido como “regra de ouro”: dentro da seção que trata do orçamento, o artigo 167, inciso III, diz que “são vedados: (...) III – a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta”. Em outras palavras, o governo não pode contrair dívida para bancar despesas correntes, como a folha de pagamento, aposentadorias, aluguéis ou contas de água, gás, telefone ou energia elétrica das instalações públicas. As dívidas que o governo contrai devem servir para a realização de investimentos ou para rolar dívidas já existentes.

O objetivo da “regra de ouro” é bem simples: em um país onde o governo tem dificuldade crônica de fazer suas despesas se adequarem as receitas, o constituinte buscou impedir que os mandatários se comportassem de forma totalmente irresponsável, por exemplo inchando tanto o funcionalismo que a folha de pagamento se tornasse impossível de honrar sem endividamento, uma bomba que cairia no colo de todos os sucessores. Posteriormente, a Lei de Responsabilidade Fiscal veio para disciplinar ainda mais o uso do dinheiro público – e mesmo assim ainda vemos grandes déficits e, em alguns estados, caos fiscal provocado por irresponsabilidade ou corrupção pura e simples. A mais recente tentativa de equilibrar essa dinâmica nefasta foi a aprovação da PEC do Teto de Gastos, impedindo que os gastos do governo subam acima da inflação.

O governo precisa urgentemente aprender a usar melhor seus recursos

Mesmo assim, a “regra de ouro” corre sério risco de ser descumprida em 2019, segundo o novo ministro da Fazenda, Eduardo Guardia. Para 2018 a salvação virá do cancelamento de restos a pagar e, especialmente, da devolução pelo BNDES de recursos ao Tesouro Nacional. Mas o desequilíbrio, estimado em R$ 200 bilhões anuais, é estrutural, disse o ministro já na cerimônia em que recebeu o cargo de Henrique Meirelles. Guardia sugeriu uma “convergência” entre a “regra de ouro” e as determinações da PEC do Teto de Gastos. Essa convergência consistiria na adoção, dentro da “regra de ouro”, das mesmas limitações presentes na PEC do Teto – se o teto for descumprido, por exemplo, o governo fica impedido de realizar concursos, conceder reajuste salarial a servidores e promover aumento real (acima da inflação) no salário mínimo. Guardia quer essas mesmas limitações em funcionamento no caso do descumprimento da “regra de ouro”.

Tais mudanças só podem ocorrer por meio de emenda constitucional. No entanto, enquanto vigorar a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, nenhuma PEC pode ser votada. Por isso, Guardia afirmou que, em agosto, o governo pedirá que o Congresso inclua no orçamento de 2019 uma permissão de crédito suplementar para compensar o rombo, o que o artigo 167 da Constituição permite. No entanto, essa solução é temporária, já que o buraco não será fechado milagrosamente em 2020.

Leia também: A reforma do setor público (editorial de 29 de março de 2018)

Nossas convicções: Menos Estado e mais cidadão

Dispositivos como o teto de gastos, a “regra de ouro” e a Lei de Responsabilidade Fiscal existem para que o Estado trate com mais cuidado o dinheiro que retira da sociedade por meio dos impostos. Devolvê-lo na forma de serviços públicos oferecidos de forma racional, sem desperdícios, e investimentos naquelas áreas em que é essencial a participação do Estado é o mínimo que um governante deveria fazer, embora a tentação populista ainda seja forte o suficiente para que seja defendida por candidatos às eleições de outubro e apoiada por aquela parte do eleitorado que, infelizmente, ainda ignora a relação de causa e consequência entre irresponsabilidade fiscal, crises econômicas e falência generalizada do governo. O governo precisa urgentemente aprender a usar melhor seus recursos; se não o faz por convicção, que as restrições acabem ensinando-lhe essa valiosa lição.

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