As liberdades de expressão e de imprensa não foram as únicas a sofrer com a recente ofensiva judicial do ministro Alexandre de Moraes – agora com a cooperação dos seus colegas de Primeira Turma – contra a rede social X. O preço que a corte impôs a Elon Musk após ele ter anunciado sua recusa em cumprir ordens inconstitucionais de censura e em apontar um representante legal no país, que ficaria sujeito à prisão, também reforçará a imagem do Brasil como país hostil ao empreendedor – seja brasileiro, seja estrangeiro.
Para conseguir o dinheiro referente às multas aplicadas ao X por não ter derrubado os perfis que eram alvo de uma ordem anterior de Moraes, o ministro bloqueou as contas da Starlink, a empresa de internet via satélite que também tem Musk entre seus acionistas. A Starlink recorreu da decisão ainda na sexta-feira, 30 de agosto, mas no mesmo dia o ministro Cristiano Zanin negou o pedido alegando suposto erro processual. A empresa prometeu seguir oferecendo seu serviço aos 200 mil clientes que tem no Brasil, mesmo impossibilitada, por ora, de receber pagamentos. No entanto, Moraes errou na forma e no conteúdo – mais uma vez.
O bloqueio das contas da Starlink é um novo sinal de que o investimento direto no Brasil é atitude de risco
O provedor de internet via satélite não era parte em nenhum dos processos envolvendo Musk ou o X, e não teve nem sequer a chance de se defender no Supremo, sofrendo de imediato o congelamento das contas – ocorrido no dia 24 de agosto, a julgar pela decisão que bloqueou o X no Brasil e que só menciona uma intimação ao representante legal da Starlink no dia 27.
Como argumento jurídico para abrir o cofre da Starlink e usá-lo para pagar as multas do X, Moraes alegou a existência de um “grupo econômico de fato”, já que Musk é acionista das duas empresas. A figura do “grupo econômico” realmente existe no ordenamento jurídico brasileiro, mas sua aplicação não é tão simples como faz parecer Moraes nas decisões que tornaram públicas – já que há outras ainda sigilosas.
O parágrafo 2.º do artigo 2.º da CLT afirma que “não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes”, o que já torna questionável o recurso a esse conceito para legitimar o uso de dinheiro da Starlink para pagar multas do X. Não bastaria, nesse sentido, classificar ambas como “empresas de tecnologia”, já que a natureza de uma rede social é bem diversa daquela de um provedor de internet via satélite, ainda por cima subordinada a uma companhia dedicada à exploração espacial, a SpaceX.
Isso não passou despercebido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que fez uma comparação: “Se, no escândalo da Americanas, fôssemos bloquear a conta da Ambev, não seria correto”. Além disso, juristas consideram que seria necessário comprovar algum tipo de irregularidade ou fraude para se bloquear recursos de uma empresa com o objetivo de fazê-la pagar os débitos de outra empresa, e Moraes não faz esse tipo de alegação – ao menos, como afirmamos, nas decisões não sigilosas.
Se os recursos de uma empresa não estão a salvo da Justiça, que pode usá-los para quitar débitos de outra empresa com sócios em comum, ainda que não estejam configurados os requisitos para a existência de grupo econômico, as consequências são óbvias: empreender, especialmente em mais de uma área, torna-se tremendamente arriscado. “Investir no Brasil sob a administração atual é insano”, resumiu Musk no sábado.
E, para quem quiser descartar a afirmação do proprietário do X, já que ele é o alvo das decisões de Moraes, há outros que compartilham da mesmíssima percepção. Bill Ackman, fundador da Pershing Square Capital, escreveu em seu perfil no X que “a suspensão ilegal do X e o congelamento das contas da Starlink no Brasil coloca o país num caminho veloz para se tornar um mercado impossível de investir”.
O investidor acrescentou que “a China teve ações similares que levaram à fuga de capitais e ao colapso de suas avaliações. O mesmo acontecerá com o Brasil, a não ser que o país recue rapidamente desses atos ilegais”. E o constitucionalista André Marsiglia afirmou ao jornal O Estado de S.Paulo que “cobrar de uma empresa a dívida de outra fere a livre iniciativa e coloca o Brasil no mapa de risco para investidores estrangeiros”.
O Brasil nunca foi um país amigável ao investidor, como demonstram os desempenhos repetidamente medíocres em rankings como o Doing Business e o Índice de Liberdade Econômica. Até tempos atrás, Executivo e Legislativo compartilhavam o grosso da responsabilidade por essa tragédia, mas ultimamente o Judiciário tem dado sua contribuição, chegando até mesmo a desprezar a coisa julgada em questões tributárias. O bloqueio das contas da Starlink é um novo sinal de que o investimento direto no Brasil é atitude de risco, reduzindo ainda mais a liberdade econômica e privando o país dos seus benefícios.
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