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| Foto: Mandel Ngan/AFP

A política externa do governo Jair Bolsonaro (PSL), que era tema de muitas incógnitas, começa a ganhar contornos nas primeiras viagens presidenciais oficiais e em entrevistas do chanceler Ernesto Araújo à imprensa. Com os resultados colhidos nas visitas aos Estados Unidos e ao Chile, a retomada da prudência na questão da transferência da embaixada brasileira em Israel e nas relações com a China, as reiteradas negativas à ideia de intervenção militar estrangeira na Venezuela e a elucidação das críticas que o chanceler já fez ao multilateralismo, a diplomacia de Bolsonaro, amparada pela qualidade técnica do Itamaraty, começa a trazer bons frutos ao Brasil.

Exageros retóricos à parte, o Brasil trouxe dos Estados Unidos uma agenda positiva, que contribui para os esforços da equipe econômica em modernizar o país. A sinalização de que os americanos vão apoiar o pleito brasileiro de entrar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e de que o Brasil vai “começar a abrir mão” do Tratamento Especial e Diferenciado (TED) na Organização Mundial do Comércio (OMC) – um privilégio já pouco utilizado pelo Brasil e que pode servir de entrave à liberalização do comércio – contribuirá para a abertura comercial do país e, conjugada às reformas econômicas, é positiva para a atração de investimentos. Também é alvissareira a intenção dos países de retomar a negociação de tratados comerciais (um atraso injustificável do Brasil) bem como a conclusão de uma nova versão do Acordo de Alcântara, que agora deve ser enviada ao Congresso Nacional e tem potencial para colocar o Brasil no crescente mercado mundial de lançamento de satélites. 

A viagem ao Chile também sinalizou na direção correta. Embora não tenham concluído nenhum acordo formal, em razão de avanços recentes, os países anunciaram tentar acelerar a aprovação pelos respectivos Legislativos do acordo de livre comércio celebrado em outubro do ano passado, um dos mais ambiciosos textos que o Brasil já assinou com um parceiro. Durante a viagem, as nações da América do Sul também deram início à criação do Foro para o Progresso da América do Sul (Prosul), um espaço de concertação política mais flexível e menos oneroso, que deve sepultar de vez a Unasul, paralisada desde 2017 por ação da Venezuela. A ideia de melhorar a integração da América do Sul em bases francamente democráticas e mais ágeis vem em boa hora e tem o potencial de catalisar a agenda liberal em uma região que por tempo demais esteve refém de ideologias nocivas ao desenvolvimento econômico e político de seus países. 

Falta agora ao governo brasileiro apresentar uma estratégia consistente de atuação nos organismos internacionais

Embora a escolha de Chile e Estados Unidos, seguidos na próxima semana de Israel, como primeiros destinos internacionais reflita com clareza a linha mestra que a nova política externa quer dar ao Brasil, o país ganhou com as matizes que o governo passou a dar às questões da China e da transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Refletindo preocupações legítimas de setores econômicos e de outras alas do governo, Araújo já sinalizou que pretende investir em uma agenda positiva com a China – maior cliente do agronegócio brasileiro –, e o Itamaraty vem tentando lidar com a questão da embaixada – e de uma aproximação mais ampla com Israel – de uma maneira que não afronte os países árabes e muçulmanos. Na mesma linha de moderação, é positivo que as autoridades tenham expressado a necessidade de que uma eventual intervenção militar na Venezuela não seja feita de forma atabalhoada, sem o consenso das nações prudentes diante da catástrofe humanitária que se desenrola no país vizinho. 

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Também chama a atenção que, em suas últimas manifestações, o chanceler brasileiro tenha matizado suas críticas ao multilateralismo – o que levantava preocupações legítimas, tendo em vista seus primeiros textos que vieram a público. Araújo tem dito que combater o globalismo não é combater as instituições multilaterais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), e a Organização dos Estados Americanos (OEA), mas sim certas agendas que encontraram nesses fóruns uma oportunidade de prosperar à revelia das soberanias nacionais. O maior exemplo desse expediente é o ativismo de comitês de acompanhamento de tratados de Direitos Humanos, que tentam fazem avançar a promoção do aborto e da ideologia de gênero, contando com a simpatia de juízes ativistas nos Judiciários nacionais, que muitas vezes citam em decisões judiciais entendimentos que não refletem o consenso dos Estados Nacionais nem a intenção original dos tratados de Direitos Humanos. Falta agora ao governo brasileiro apresentar uma estratégia consistente de atuação nos organismos internacionais para combater a instrumentalização desses espaços pela agenda permissiva nos costumes. 

É verdade que ainda há ajustes a se fazer no tom da comunicação oficial, notadamente no Twitter, um espaço em que exageros têm o potencial de criar confusões e ferir susceptibilidades, ainda mais em um campo tão delicado como a diplomacia. Mas, se o governo continuar investindo em uma mensagem moral e política clara em prol da liberdade e da democracia, temperada pelo pragmatismo e pela excelência técnica que são marcas do Itamaraty, a diplomacia brasileira tem condições de recuperar o respeito perdido nos anos petistas e de colaborar para o pleno desenvolvimento do país.

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