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Venda de estatais esteve entre as propostas eleitorais de Bolsonaro
Bolsonaro disse a apoiador que o Brasil estava quebrado e que ele não conseguia fazer nada.| Foto: Alan Santos/Presidência da República

“O Brasil está quebrado, chefe. Eu não consigo fazer nada.” Foi este o desabafo de Jair Bolsonaro em resposta a um apoiador que, diante do Palácio da Alvorada, questionou o presidente sobre a correção da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física na terça-feira. A tabela registra defasagem de mais de 100% em relação ao IPCA desde 1996, e a correção era uma promessa de campanha de Bolsonaro em 2018. “Eu queria mexer na tabela do Imposto de Renda, tá, teve esse vírus, potencializado pela mídia que nós temos, essa mídia sem caráter”, acrescentou.

Que o país vai muito mal das pernas em termos econômicos não é novidade alguma. Desde 2014 o Brasil registra seguidos déficits primários, que agora giram na casa das centenas de bilhões de reais todo ano. Levando em consideração o resultado nominal, a situação é ainda pior: desde a virada do século, ainda estamos para ver um ano em que sobrará dinheiro nos cofres públicos depois de todos os gastos, incluindo juros da dívida. Qualquer pessoa ou empresa na mesma situação já teria ido à falência. A pandemia apenas piorou o quadro – a dívida pública, dependendo do critério usado, já superou 100% do PIB, muito acima da média de países emergentes.

Sem iniciativa, não há mesmo como o governo entregar nada de vulto

E, como já apontamos neste espaço, o diagnóstico deste país quebrado já foi feito há muito tempo e é conhecido de todos. Temos um Estado gigante, que gasta muito e gasta mal, mais preocupado em manter a si mesmo que em oferecer bons serviços à população; um orçamento extremamente engessado; um sistema tributário disfuncional e injusto; a ausência completa de uma política industrial inteligente, substituída pela concessão indiscriminada de benefícios a “amigos do rei”; um Judiciário que muitas vezes fomenta a insegurança jurídica; e uma burocracia asfixiante, alimentada por um desejo constante de hiper-regulação. O problema brasileiro não é falta de consciência a respeito de seus problemas, e sim uma incapacidade crônica de colocar em prática as soluções que também são conhecidas.

Bolsonaro se elegeu, entre outros motivos, porque levou o eleitor a confiar que essa incapacidade ficaria para trás. Essa confiança cresceu quando a equipe econômica ganhou corpo, com nomes notáveis e indubitável espírito liberal. Mas esse ímpeto se perdeu e, se Bolsonaro “não consegue fazer nada” agora, isso pouco tem a ver com a pandemia, com a mídia ou com a oposição de esquerda, que não tem número suficiente para barrar nem mesmo propostas de emenda à Constituição, que exigem maioria qualificada. O grande problema é interno.

Já se vão dois anos e o Brasil ainda não sabe exatamente que reforma tributária o governo tem em mente. O Congresso precisou suplicar ao Planalto que enviasse a reforma administrativa, que estava pronta em uma gaveta desde o fim de 2019 e mesmo assim também está “fatiada”, com apenas uma parte entregue ao Legislativo. No afã de ter uma marca social para chamar de sua, o governo inventou uma bizarrice fiscal insustentável para bancar o Renda Cidadã. Por mais que o Supremo tenha atrapalhado as privatizações tirando da cartola regras que não existem na Constituição, até agora um único projeto de lei neste sentido foi enviado, o da Eletrobrás. Sem iniciativa, não há mesmo como entregar nada de vulto. E, justo quando se vislumbra uma luz no fim do túnel da pandemia, possibilitando a retomada das reformas, o presidente que tempos atrás se gabava de “ter a caneta” agora inverte o discurso e praticamente joga a toalha, enviando a pior mensagem possível para quem está disposto, no Executivo e no Legislativo, a trabalhar duro para fazer o Brasil melhorar.

Pois que arregace as mangas, já que os brasileiros não elegeram um presidente para ficar se lamentando e jogando nos outros a culpa de sua própria inação. Que envie ao Congresso as reformas – todas elas – e as privatizações, que brigue por elas, que saiba articular em torno de uma maioria parlamentar sólida para aprová-las, que ouça mais sua equipe econômica e menos a ala populista e gastadora, que não tenha medo de tomar decisões necessárias, ainda que impopulares. Em dois anos não será possível “desquebrar” o Brasil, mas é tempo suficiente para montar o alicerce que, mais adiante, permitirá ao país sair do buraco – e, por que não?, achar as dezenas de bilhões de reais para cumprir a promessa de reajustar a tabela do IR. Só que, para isso, é preciso coragem.

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