• Carregando...

Uma crença muito comum entre os especialistas é a de que um dos obstáculos ao crescimento da economia brasileira era o escasso e caro crédito ao consumidor. Os Estados Unidos sempre foram citados como um exemplo de país em que o financiamento para pessoas e famílias desempenha o importante papel de elevar a demanda e estimular a produção e o em­­pre­­go. Crédito abundante, facilidade na obtenção de em­­préstimos e taxas de juros baixas constituem a ba­­se para induzir a população a sair às compras a serem pagas com renda futura. Foi assim que a população norte-americana empanturrou-se de dívida pessoal, incluindo as dívidas feitas para aquisição da casa própria. Mas veio a grave crise financeira, originada nos Estados Unidos, e o modelo de crescimento a crédito farto começa a ser contestado.

No Brasil, historicamente o crédito pessoal sempre foi pequeno e as taxas de juros muito altas, dificultando qualquer aumento da demanda agregada além da capacidade de compra da renda disponível das pessoas e das famílias. Nos últimos anos, porém, a realidade brasileira mudou drasticamente, não tanto pela baixa substancial da taxa de juros (que ainda é muito alta), mas pela ampliação em larga escala das linhas de crédito à disposição dos consumidores. Eletrodomésticos, veículos, viagens e objetos pessoais passaram a ser adquiridos com dívidas, fazendo que, segundo o Banco Central, os 10 milhões de pessoas com dívidas superiores a R$ 5 mil que o Brasil tinha há cinco anos passassem para mais de 23 milhões de devedores atualmente. O endividamento das pessoas, que não chegava a 30% do Produto Interno Bruto (PIB), deve atingir 50% do PIB em 2010.

Se comparado com países desenvolvidos, o Brasil ainda apresenta baixo porcentual de endividamento pessoal em comparação com a renda nacional, o que coloca o país em condições de aumentar a demanda agregada pela via do consumo das pessoas e, a partir daí, criar um círculo virtuoso de mais produção, mais empregos, mais renda, mais impostos etc. Todavia, convém lembrar que essa realidade tem aspectos positivos, mas também apresenta problemas que podem fazer da expansão de curto prazo uma bomba a estourar lá na frente. Vale destacar que há um tipo de crédito pessoal muito positivo para a economia como um todo e para o padrão de vida das famílias: o financiamento imobiliário destinado à compra da casa própria. Os que adquirem imóvel residencial incorrem em desembolso mensal para pagar prestações, mas também ficam livres do pagamento de aluguel, ao mesmo tempo em que aumentam seu patrimônio.

O endividamento pessoal crescente apresenta, pe­­lo menos, três importantes aspectos preocupantes. Primeiro, as famílias que gastam mais do que ganham deixam de formar poupança e reservas para garantir o padrão de vida na aposentadoria, risco esse que não existe para os funcionários públicos, pois eles desfrutam de aposentadorias próximas do seu salário da ativa. Segundo, o endividamento para consumo presente pode forçar a família a reduzir o pa­­drão de vida futuro, quando chegar o momento de pa­­gar a dívida, seja por não conseguir elevar sua ren­­da real, seja pelos pesados desembolsos agravados pelo alto custo dos empréstimos. Terceiro, eventual redução na criação de empregos e na renda média dos trabalhadores fará os níveis de inadimplência aumentarem perigosamente, com sofrimento para pessoas e famílias.

Todos os agentes econômicos têm limites técnicos para o tamanho do seu endividamento, a partir do qual a situação financeira torna-se frágil e impõe riscos para a manutenção do padrão de vida (no caso das pessoas), para a continuação das suas atividades (no caso das empresas) ou para a prestação de serviços públicos (no caso dos governos). A dívida em si não é ruim. Pelo contrário. Ela é um instrumento eficiente e legítimo para que pessoas, empresas e go­­vernos elevem sua produção e cresçam. O proble­­ma está no excesso; na ultrapassagem de limites razoáveis à luz do que a prudência financeira recomenda. Embora no plano individual existam mecanismos e métodos técnicos para medir a capacidade de pagamento, o limite de endividamento e o mérito da dívida, tanto para pessoas, como para empresas e governos, é o caso de perguntar se, no Brasil, o endividamento das pessoas e das famílias não está passando a linha da prudência.

Observando o rápido crescimento do endividamento pessoal e as altas taxas de juros ao consumidor, parece estar havendo um elevado comprometimento dos salários futuros. Enquanto a economia andar em boa velocidade, o crescimento do mercado de trabalho pode conseguir suportar bem toda essa situação. Entretanto, caso haja alguma pedra no caminho do crescimento econômico, a vida dos devedores pode complicar-se. Por tudo isso, cautela nunca é demais.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]