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| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A principal premissa do comércio internacional é que um país somente consegue fazer importações de bens e serviços à medida que obtém dinheiro em moeda estrangeira vendendo alguma coisa ao resto do mundo. Se num dado período o país não tem o que oferecer ao mundo, o único meio de realizar importações é não pagando no ato das compras, mas fazendo dívida externa, que pode ser dívida diretamente para os fornecedores ou, como ocorre no mais das vezes, dívida para os bancos estrangeiros resultante de empréstimos para pagar as importações. A razão de ser assim, embora simples, é de difícil compreensão para a maior parte da população, já que o funcionamento dos mecanismos de economia internacional e das operações com moedas estrangeiras exige alguma instrução em economia.

A segunda premissa determinante da equação do comércio entre as nações é que nenhum governo nacional pode emitir moeda estrangeira. O Banco Central controla e regula o volume de moeda nacional em curso no país, com possibilidade de contrair e expandir a base monetária, mas nenhum banco central nacional pode emitir moeda estrangeira, nem mesmo em países governados por ditaduras sem limite de poderes. Em resumo, um país somente obtém moeda estrangeira com receitas de exportações e/ou empréstimos internacionais.

Feitas essas considerações e tendo em conta que nenhum país consegue produzir internamente todos os bens e serviços de que sua população necessita para viver e melhorar seu padrão de vida, o comércio exterior é praticamente uma imposição da necessidade, não uma opção do governante. No caso do Brasil, basta citar uns poucos produtos rigorosamente necessários para confirmar a veracidade dessa realidade. Trigo, petróleo, insumos agrícolas, máquinas, equipamentos, tecnologias e medicamentos são alguns produtos que o Brasil ou não produz, ou produz em quantidades insuficientes, ou com qualidade inferior ao produto estrangeiro. Além disso, o padrão de bem-estar da população depende da importação de tecnologias geradas no exterior e dos bens e serviços delas derivados. Um exemplo é a tecnologia médica e seus equipamentos de alta precisão, sem os quais os habitantes nacionais perecem diante de doenças e outros problemas de saúde.

Temos muito a oferecer a ambos os países, e muito a trazer deles

Por outro lado, há produtos que o país tem em abundância. Logo, nada mais óbvio que exportá-los para países que os têm em quantidades insuficientes. É o caso de soja, açúcar, minério de ferro, carne industrializada etc. A conclusão até aqui é de que o Brasil precisa e deve fomentar ao máximo o comércio exterior e elevar as exportações e as importações.

Nos últimos meses, vem ganhando corpo a discussão sobre se o Brasil deve se aproximar mais da China ou dos Estados Unidos em matéria de comércio bilateral. O comércio internacional, no entanto, não comporta soluções simplistas e a questão não se resume a escolher uma nação como parceira preferencial e abandonar a outra.

Inicialmente, é preciso considerar a situação no painel do comércio exterior dos três países, como meio de compreender as necessidades de cada um. Os Estados Unidos são o maior gerador de tecnologias e produtos de ponta no campo da biotecnologia, inteligência artificial, assistência médica, computação e comunicações, entre outros. Não é por outra razão que a própria China é um grande comprador de tecnologias e produtos de ponta norte-americanos. O Brasil tem, sim, de ser parceiro dos Estados Unidos se quiser ter acesso a tais tecnologias e produtos. Portanto, para começar, em maior ou menor escala o Brasil deve fomentar sua parceria comercial com os norte-americanos. No lado das vendas para o resto do mundo, a China, com 1,38 bilhão de habitantes, é um mercado enorme para colocação de produtos brasileiros, sobretudo os do agronegócio, alimentos industrializados e minerais. E a China também tem a oferecer ao Brasil produtos e tecnologias úteis ao nosso desenvolvimento.

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Por que esta questão surgiu, em primeiro lugar? Durante a campanha eleitoral, o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro afirmou que ele queria a China comprando “do” Brasil, e não que os chineses comprassem “o” Brasil. Essa expressão tem como base o fato de que os chineses realmente andam pelo mundo comprando terras, imóveis e empresas, e isso seria, na expressão do agora presidente, vender o Brasil para a China, quando o desejável é que o Brasil venda produtos brasileiros para os chineses.

Os nacionalistas argumentam que, ao vender terras e empresas para os capitais estrangeiros (chineses, norte-americanos ou de qualquer outra nação), o Brasil perde soberania e passa a ter seu destino definido por centros de decisão fora do país. Seria uma espécie de “colonização econômica” que transformaria o Brasil em um país periférico e dependente. A questão mais sensível diz respeito ao quanto de terras um agente internacional – pessoa ou empresa – pode adquirir no território brasileiro. De certa forma, essa questão é legítima e merece debate no parlamento para estabelecimento de um marco legal que defina limites e condições pertinentes. Porém, quanto à aquisição ou abertura de empresas no Brasil, não faz muito sentido estabelecer limitações; faz sentido disciplinar o fluxo de capitais e a remessa de lucros. A diferença é que a terra é um capital fixo, não aumentável por processo produtivo, enquanto empresas podem ser criadas e instaladas indefinidamente.

Em resumo, o Brasil não tem motivos para ter de escolher entre China e Estados Unidos. Um país tão fechado comercialmente quanto o nosso precisa é incrementar seu fluxo comercial não apenas com esses dois parceiros, mas com todo o resto do mundo, pois está mais que comprovada a ligação entre abertura econômica e crescimento. Temos muito a oferecer a ambos os países, e muito a trazer deles. Basta que o Brasil saiba estabelecer, para cada caso, a política que melhor atenda aos interesses nacionais.

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