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Era para ser uma discussão da sociedade, democrática, organizada e racional, mas a reformulação do Código Florestal Bra­­sileiro – que fixa regras sobre a exploração e a proteção das florestas e demais formas de vegetação – acabou opondo e expondo segmentos, posições e interesses econômicos e ambientais. Foi quando a decisão, que deveria ser técnica e científica, baseada em estudos e constatações, ganhou contornos políticos, defesas passionais e apelos extremados. Em vez de serem encarados como um desafio, produzir e preservar tornaram-se, então, uma disputa, que envolve muito pou­­co, ou quase nada, a população. Apesar da polêmica e da dimensão, o tema foi polarizado entre produtores e ambientalistas, ganhando os corredores do Congresso Nacional e provocando de­­sentendimentos entre ministros, a intervenção do Palácio do Planalto e, agora, ensaia um novo round, com o relatório em trâmite do deputado federal Aldo Rebelo.

Pela proposta do relator, os estados continuarão sujeitos às normas ambientais nacionais, mas poderão produzir regras próprias pautadas em critérios técnicos. O instrumento de gestão do território a ser usado pelos estados é o zoneamento ecológico-econômico (ZEE), que estabelece diretrizes para a proteção ambiental e a distribuição das atividades econômicas para assegurar o desenvolvimento sustentável. Além disso, as áreas de proteção ambiental (APAs) permanecem no mesmo regime, mas poderão ser alteradas pelos estados que implantarem o zoneamento ambiental. A área de mata ciliar (às margens dos rios) a ser respeitada será mantida em um máximo de 70 metros a partir de cada margem, mas o mínimo, que hoje é de 30 me­­tros, cai para 15 ou até mesmo 7,5 metros, conforme a definição de cada estado. A mudança é uma das mais criticadas pelos ambientalistas.

A julgar os extremos em que se sustentam os debates, a premissa da isenção, até mesmo entre os legisladores, deixa de ser um critério para dar lugar ao lobby, à pressão, às paixões e à influência da representação das entidades de classe, dos militantes e muito pouco do cidadão comum. Um plenário onde o público urbano e as cidades foram de certa forma esquecidos, apesar de impactarem e serem fortemente impactados pelas decisões que ora venham a ser tomadas em função dos ruralistas ou ambientalistas. As mesmas paixões e razões que pautam esse confronto também permeiam o dia a dia dos pequenos e grandes centros urbanos. Se produzir é uma necessidade, preservar é uma condição, interesses que se complementam e não podem caminhar dissociados, sob pena de comprometer o futuro desta e das próximas gerações.

O setor produtivo reclama, com razão, que não dá mais para viver de incertezas e inseguranças jurídicas. De fato, as propostas de mudanças, que tiram o sono no campo e despertam a ira dos am­­bientalistas, afetam a competitividade, dentro e fora da porteira, no campo e nas cidades. São decisões, desmandos e desencontros que, ao contrário de preservar, deixam ainda mais longe uma posição de consenso. Rever os critérios é uma demanda de décadas, a considerar a base de toda regulamentação, que data de 1965, que precisa ser redimensionada. Até porque, à época da primeira legislação, cerca de 40% das pessoas viviam no campo. Ho­­je são 18%, segundo o Instituto Brasi­­leiro de Geo­­grafia e Estatística (IBGE).

Produzir também pode e deve ser encarado como preservar, num ambiente em que sustentabilidade é sinônimo de sobrevivência, econômica e ambiental. Um conceito, aliás, que exige interpre­­tação mais ampla da expressão. Ninguém abre mão de preservar ou de fazer a sua parte para que isso aconteça. Nem o urbano nem o rural. Mas é preciso disciplina e regulamentação de longo prazo. Polí­­tica pública, e não apenas de governo. O que está em jogo não é a posição isolada de alguns segmentos, mas de toda a sociedade, o futuro de um país. Preservar é tão importante quanto produzir, mas com o cuidado de não inverter valores.

A população se multiplicou, a evolução tecnológica trouxe progresso e o mundo precisa comer. Isso não significa abrir mão do equilíbrio ambiental. Apenas garantir que as restrições sejam proporcionais e relativas à necessidade de se produzir alimentos e energia. Que o país possa ser am­­bientalmente correto, mas sem deixar de ser competitivo.

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