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Uma das peculiaridades do pacote de corte de gastos assinado pelo governador Beto Richa nos primeiros dias de seu segundo mandato é a proibição da contratação de novos servidores – regra que vale para concursos cujos editais ainda não foram publicados (os concursos que já estão em andamento terão continuidade, informou à Gazeta do Povo a Secretaria de Administração). O veto, no entanto, "não se aplica às nomeações e designações para cargos em comissão ou funções de confiança, e seus equivalentes nas sociedades de economia mista, de livre provimento e exoneração", diz o decreto assinado por Richa. Em outras palavras, nada de novos concursados, mas o caminho segue livre para comissionados. Pode-se argumentar que, se for preciso apertar ainda mais o cinto, comissionados seriam mais fáceis de demitir que concursados; mas, considerando o cenário atual, em que as contas do estado já estão precisando de um ajuste, faria algum sentido criar ainda mais cargos em comissão?

Claro que não está em discussão o direito de um mandatário escolher os seus colaboradores mais próximos. Esse é um instrumento importante para que suas convicções políticas e sua visão sobre como deve ser o governo possam ser implantadas sem transformar o chefe do Executivo em um furioso centralizador faz-tudo. Mas é preciso questionar: é realmente necessário que tantas secretarias, assessorias, diretorias, gerências, chefias e outras nomenclaturas que a fértil burocracia brasileira consegue criar (sem falar dos cargos criados sob medida) tenham de ser preenchidas por escolha pessoal deste ou daquele político? Esses postos não poderiam ser muito bem ocupados por funcionários concursados, escolhidos por critérios meritocráticos dentro de um plano de carreira no serviço público?

A consequência de haver tantos cargos preenchidos por comissão não apenas no topo, mas também (e talvez principalmente) no meio da pirâmide do serviço público é o seu uso como instrumento de barganha política, independentemente da esfera de governo. Basta observar que demissões e nomeações estão entre os fatores que causaram uma pequena rebelião de vereadores que estavam na base de apoio do prefeito Gustavo Fruet, em Curitiba. Na esfera nacional, os partidos já não têm o menor pudor de se atirar sobre cargos comissionados de segundo, terceiro, quinto, décimo escalão – em outras palavras, o que estiver disponível. O PT chegou a fazer um mapeamento de cargos comissionados federais nos estados para "compensar" a perda de espaço no ministério de Dilma Rousseff, coisa que só tinham feito em 2003, quando o partido substituiu o PSDB no Planalto. "Estamos fazendo um mapa dos cargos federais nos estados para saber quem é quem, quem indicou, qual a avaliação que a gente tem disso, e fazer uma proposta [de nomes a Dilma]", disse o presidente nacional do PT, Rui Falcão. Ele ainda acrescentou: "Tem lugares em que a pessoa indicada saiu e acabou ficando algum técnico de carreira, sem qualquer compromisso político". Técnicos de carreira, por esse raciocínio, não servem para exercer certos cargos.

A voracidade, obviamente, não é exclusividade de um único partido. O PMDB chegou a condicionar sua permanência na base aliada a uma maior generosidade palaciana na concessão de cargos de segundo escalão – isso apesar de a sigla ter crescido em número de ministérios em relação ao ano passado; o problema, insinuam os peemedebistas, é que eles não ficaram com as pastas e os cargos "certos". O que nos leva a outra pergunta: por que uma agremiação política teria tanto interesse em, digamos, uma subsecretaria do Ministério dos Transportes, ou uma diretoria eminentemente técnica em uma estatal ou banco público? A resposta está no orçamento que passará pelas mãos dos indicados, dando margem aos inúmeros escândalos de corrupção que há muito presenciamos.

Países europeus, como Alemanha, França e Reino Unido (nenhum deles, ressalte-se, um exemplo de Estado mínimo) funcionam com algumas centenas de comissionados. Nos Estados Unidos, são menos de 10 mil – no Brasil, esse foi o número de cargos comissionados criados em 2013 apenas pelos governos estaduais. No total, o país tem centenas de milhares de cargos ocupados por indicação política, ocupando postos que poderiam ser de funcionários de carreira aprovados em concurso. É preciso repensar esse modelo.

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