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O deputado Paulo Magalhães
O deputado Paulo Magalhães, relator da PEC 5 na Câmara dos Deputados.| Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Quando se trata de facilitar a vida dos corruptos e de dificultar a vida dos agentes públicos que combatem a corrupção, não existem barreiras ideológicas. É assim que um arco político amplo, que vai do petismo a partidos do Centrão que dão apoio ao governo de Jair Bolsonaro, se uniu para aprovar uma proposta de emenda à Constituição que aumentaria a interferência política no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tentou levar a PEC 5 a votação no plenário na semana passada, mas foi preciso recuar pois ainda não havia os 308 votos suficientes para que o texto fosse aprovado. Mesmo assim, os patrocinadores da ideia pretendem voltar à ofensiva nos próximos dias.

A PEC 5 tem como autor o deputado Paulo Pimenta (PT-SP) e passou apenas pela Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara, quando foi relatada por Silvio Costa Filho (Republicanos-PE). Uma comissão especial chegou a ser montada e a realizar uma audiência virtual, mas Lira resolveu intervir e levar o texto diretamente ao plenário – acelerar a tramitação tem sido prática recorrente do presidente da Câmara quando se trata de projetos que enfraquecem o combate à corrupção. O novo relator, Paulo Magalhães (PSD-BA), realizou algumas mudanças em relação ao texto original, mantendo o enorme risco de transformar o CNMP em um órgão não de controle externo do Ministério Público, mas de controle político.

Pela PEC 5, o Congresso Nacional não ganha apenas o poder de indicar mais membros ao Conselho Nacional do Ministério Público, mas ganha também controle sobre o fundamental cargo de corregedor

O CNMP, hoje, tem 14 membros, sendo oito deles integrantes dos vários ramos do MP (o procurador-geral da República e outros sete conselheiros), além de dois juízes indicados pelo STF e pelo STJ; dois advogados indicados pela OAB; e “dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada”, indicados um pela Câmara e outro pelo Senado. A PEC 5, em sua versão mais recente, aumenta o número de membros para 15 e muda o balanço de forças dentro do órgão. O número de membros do MP apontados pelos seus vários ramos diminui de sete para seis, e a PEC acrescenta mais um integrante, escolhido alternadamente pela Câmara e pelo Senado, desde que seja “membro dos Ministérios Públicos dos estados ou da União, dentre os que ocupam ou ocuparam, respectivamente, o cargo de Procurador-Geral de Justiça ou Procurador-Geral de um dos ramos do Ministério Público da União”. Além disso, passa a haver também “um ministro ou juiz, indicado pelo Supremo Tribunal Federal, e eleito, a cada biênio, alternadamente, pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados”. Por fim, as vagas de indicação do STF e STJ passam a poder ser ocupadas também por ministros das duas cortes.

Alegar que a maioria do novo CNMP continuaria sendo de membros do Ministério Público, com oito de 15 integrantes, é contar a história pela metade; afinal, este oitavo indicado será escolhido não pelos seus pares no MP, mas por deputados ou senadores. Como afirmamos em maio, “trata-se de aumentar a influência de eventuais investigados e réus no conselho que trata de avaliar as ações dos agentes encarregados de investigar atos de corrupção, entre outros crimes”; além disso, Senado e Câmara ainda ganharão o direito de eleger mais um integrante do CNMP, o “ministro ou juiz indicado pelo Supremo Tribunal Federal”, invenção que não estava na proposta original.

As mudanças, no entanto, não terminam na composição do CNMP. Na versão original da PEC, Pimenta havia previsto que o corregedor – que tem função importantíssima ao receber denúncias e fazer uma apreciação inicial antes de submetê-las ao conselho – poderia ser qualquer um dos integrantes, escolhido em votação secreta, abrindo as portas para que o cargo fosse exercido por alguém que não fosse membro do MP, uma distorção que não existe em nenhuma outra corregedoria ou órgão de controle. Magalhães conseguiu piorar o que já era ruim ao determinar que o corregedor seja necessariamente o membro do MP escolhido pela Câmara ou pelo Senado. Em outras palavras, o Congresso não ganha apenas o poder de indicar mais membros ao CNMP, mas ganha também controle sobre o fundamental cargo de corregedor.

O relator conseguiu, ainda, colocar na PEC uma inovação que nem o autor da proposta sugeriu: dar ao CNMP o poder de, “por meio de procedimentos não disciplinares, rever ou desconstituir atos que constituam violação de dever funcional dos membros” ou, “em procedimento próprio de controle, quando se observar a utilização do cargo com o objetivo de se interferir na ordem pública, na ordem política, na organização interna e na independência das instituições e dos órgãos constitucionais”. Isso daria ao conselho o poder de, na prática, destruir a independência funcional dos procuradores e promotores, que passariam a ter seus atos submetidos a conveniências políticas. Afinal, a própria natureza da atividade do MP inclui atos que tenham algum tipo de efeito em decisões de outros poderes. Basta que um CNMP cada vez mais marcado pela ingerência política considere que certo procurador ou promotor tenha “violado seu dever funcional” ou “usado o cargo” para “interferir na ordem pública” para anular seus atos.

“O sistema republicano tem de ter fiscais, não é verdade? Durante a audiência pública houve uma pergunta de um advogado: ‘quem fiscaliza os fiscais?’ E eu fiquei sem responder. Então, é natural que haja fiscalização numa República”, afirmou o relator Paulo Magalhães. Mas, se o deputado ficou sem responder à pergunta, foi apenas porque ele ignorava a resposta, não porque ela não existisse. A fiscalização já existe, e o CNMP, em sua composição atual, tem sido muito mais rigoroso na aplicação de punições que, por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça – aliás, tem até extrapolado, como nas decisões claramente injustas que prejudicaram o ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, punido por apenas exercer sua liberdade de expressão garantida pela Constituição e pelas leis que regem o comportamento dos integrantes do MP. O sonho de muitos políticos com a PEC 5 é tornar mais frequente esse tipo de situação, fazendo do CNMP um apêndice de um Congresso infelizmente repleto de parlamentares para os quais o Ministério Público não passa de um obstáculo incômodo.

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