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Geadas
Geadas: prejuízos provocados pelo frio recorde no campo não demorar a alcançar as gôndolas e vão pressionar inflação.| Foto: Albari Rosa/Arquivo/Gazeta do Povo

Por um bom tempo, desde que a inflação começou a assustar, no segundo semestre do ano passado, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central via o choque inflacionário como um fenômeno temporário, que deveria arrefecer em 2021. Agora, no entanto, já está claro que esse convidado incômodo e inconveniente veio para ficar e não tem a menor intenção de ir embora, e por isso são necessárias medidas mais drásticas para o país finalmente se livrar dele. É assim que deve ser entendida a decisão tomada nesta quarta-feira, dia 4, de aumentar a Selic em um ponto porcentual, para 5,25% ao ano, depois de três elevações seguidas de 0,75 ponto.

O mercado financeiro já antecipava a dimensão do aumento. O comunicado da reunião de junho afirmava que “Para a próxima reunião, o Comitê antevê a continuação do processo de normalização monetária com outro ajuste da mesma magnitude [0,75 ponto]. Contudo, uma deterioração das expectativas de inflação para o horizonte relevante pode exigir uma redução mais tempestiva dos estímulos monetários”. Como essa deterioração realmente ocorreu, com o IPCA-15 de julho ficando em preocupantes 0,72% (o IPCA fechado de julho será divulgado apenas na próxima terça-feira), graças a fatores como energia elétrica mais cara e um possível efeito das ondas de frio sobre o preço dos alimentos, o Copom decidiu que era preciso aumentar a dose do remédio.

A autoridade monetária tentou conciliar controle da inflação com estímulo ao crescimento até onde foi possível; precisando escolher, no entanto, deu preferência àquela que é sua principal função

A decisão repercutiu mal tanto entre empresários quanto entre sindicalistas, que já enviaram notas condenando a elevação da Selic em um ponto porcentual. Os críticos estão corretos quando lembram que juros mais altos freiam a recuperação econômica, mas também é certo que a inflação desorganiza completamente a economia e pune especialmente os mais pobres, que já são os grandes prejudicados pelo caos da pandemia. E a inflação alta já se tornou uma realidade, que é preciso conter – a taxa de juros é o único, ou ao menos o principal instrumento que o Copom tem à disposição para atingir este objetivo, que aliás é a missão prioritária do Banco Central. A autoridade monetária tentou conciliar controle da inflação com estímulo ao crescimento até onde foi possível; precisando escolher, no entanto, deu preferência àquela que é sua principal função, até porque o incentivo à atividade econômica pode vir também dos poderes Executivo e Legislativo.

O problema é que da Praça dos Três Poderes vem pouca ajuda para que o país recupere a confiança internacional, pois o ajuste fiscal anda desprestigiado especialmente no Executivo e no Legislativo, às voltas com manobras orçamentárias de todo tipo para ampliar gastos contornando as ferramentas criadas para impedir que a despesa escape do controle. A dívida pública como proporção do PIB caiu não porque o governo apertou os cintos, mas porque a arrecadação subiu como consequência da retomada da atividade econômica e porque a valorização do real reduziu o preço da dívida em moeda estrangeira. O governo teme levar a reforma administrativa adiante para não irritar o funcionalismo às vésperas da eleição e, por mais que o presidente da Câmara prometa colocar logo o texto em votação, sempre há a possibilidade de uma reforma aguada que não tenha o efeito necessário sobre as contas públicas.

Tudo isso se resume na expressão “risco fiscal elevado”, usada no comunicado, ao lado de outros trechos constantemente repetidos, como “perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia” e “questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia”. Se os comunicados se tornam peças repetitivas, é apenas porque suas advertências parecem ser pouco ouvidas no Planalto e no Congresso Nacional.

É preciso conter a inflação, reduzir o risco fiscal e dar condições para que a retomada da economia continue e se consolide, mas também é preciso que todos os atores estejam empenhados nestes objetivos. O Banco Central tem como prioridade o controle da inflação e faz o que considera necessário neste campo, mas não pode ser deixado jogando sozinho. Sem reformas bem feitas e sem responsabilidade fiscal, não há mágica que os membros do Copom possam fazer para que os preços parem de subir.

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