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Forças Armadas dão suporte aos atendimentos de casos da Covid-19 em Roraima
Forças Armadas dando suporte aos atendimentos de casos da Covid-19 em Roraima.| Foto: Nelson Almeida/ AFP

O recrudescimento da Covid-19 em vários estados tem despertado a preocupação de muita gente. Por algumas semanas, muitos acreditavam que o pior momento já havia passado, dada as ordens de reabertura em vários locais, bem como o afrouxamento das medidas restritivas. Depois de quase três meses de sacrifícios, a sociedade brasileira parecia começar a respirar aliviada, mas logo as notícias ruins voltaram a se impor e as nossas fragilidades se tornam cada vez mais evidentes.

No total, o país já ultrapassou os 60 mil óbitos confirmados pela doença, com um número de infectados que se aproxima dos 1.500.000 segundo os dados oficiais. Tanto um como outro número devem sofrer correções futuras, considerando os alertas em torno do problema da subnotificação apontados por vários especialistas. A falta de dados confiáveis e de transparência dos governos em todos os níveis da federação coloca uma sombra no entendimento a respeito da dinâmica da doença. No Centro-Oeste a taxa de aceleração dos óbitos saltou exponencialmente nas últimas semanas, com a proximidade do colapso do sistema de saúde se tornando iminente em poucos dias. No Sul, a chegada do inverno tem sido acompanhada por um recrudescimento de casos, seguido de novas medidas restritivas da parte de governos e prefeituras. No Norte e no Nordeste do país, há notícias sobre a diminuição do número de novos casos, principalmente nas capitais, mas com indícios de aumento em cidades do interior. No Sudeste, Minas Gerais caminha para o pico das infecções, enquanto Rio de Janeiro e São Paulo parecem estabilizados, mas não se tem certeza sobre o comportamento de uma eventual nova onda seguida do afrouxamento das medidas restritivas.

O agregado por regiões é necessariamente impreciso porque não temos ainda sequer um local com os dados detalhados por município e análises claras sobre a evolução da pandemia por cidade e estado. Sabemos já que o coronavírus matou mais brasileiros do que as mortes ocorridas no ano passado por violência, acidente de carro, HIV, câncer e outras morbidades. É um dos maiores desastres sanitários da nossa história, não resta mais dúvidas sobre isso. Porém, não dispomos de informações claras, em tempo hábil, para avaliar a tomada de decisões de governantes e realizar o mínimo de previsões para organizar o futuro da economia e das vidas dos brasileiros.

A promessa de uma política de testagem de massa, anunciada pelo Governo Federal já em março e reforçada pelas sucessivas gestões que passaram pelo Ministério da Saúde ainda não se concretizou de fato. A meta de distribuir 23 milhões de testes rápidos em todo o território nacional não foi concretizada nem sequer pela metade. Em muitos estados e cidades, mesmo quando há testes disponíveis, a testagem não é realizada de maneira rápida e eficiente, por problemas de logística, falta de pessoal ou simples incompetência. Conforme as experiências exitosas comprovam ao redor do mundo, a medida é essencial para projetar políticas de abertura, proteger os grupos mais vulneráveis e mesmo estimar a quantidade de pessoas que ainda devem necessitar de cuidados pelo sistema de saúde. A testagem também ajuda a fazer projeções essenciais sobre a distribuição de leitos de UTI e organização da logística do atendimento para populações que vivem longe dos grandes centros hospitalares. Além disso, facilita a implementação de medidas restritivas menos danosas, como o controle na entrada e saída de municípios que ainda não foram assolados pela doença, para que não sejam necessárias políticas de “lockdown”, que paralisam a vida social e econômica de milhões de pessoas. Sem testagem, não se sabe onde está, nem para onde se vai na pandemia.

Tampouco parece haver disposição de debater o problema da favela e das áreas mais pobres, que possuem dificuldades específicas para viabilizar o distanciamento social, dado a concentração de problemas econômicos, sociais, habitacionais, etc. Em pesquisa divulgada no último dia 24, realizada pelo Data Favela em parceria com o Instituto Locomotiva, constatou-se que 51% dos moradores de favela do país não consegue seguir medidas de prevenção e isolamento recomendadas para enfrentar a pandemia. São cerca de 13,6 milhões de pessoas segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que compõem um estrato da população particularmente vulnerável à doença. Depois de tantos meses, não ter uma política específica desenhada para esses territórios, da parte de nenhuma das esferas de governo, é mais um sinal de descaso das nossas autoridades e do nosso fracasso em tratar a questão social.

Essa gestão no escuro só reforça dúvidas sobre o timing da tomada de decisões de governantes em relação ao afrouxamento, implementação ou recrudescimento de medidas restritivas. Igrejas e comércios são abertos e fechados sem um critério claro, aparentemente definido mais pela lotação dos leitos de UTIs e atendimentos nos hospitais e postos de saúde do que por testes confiáveis. Afinal, a retomada das atividades econômicas também contribui com o aumento natural de outros tipos de ocorrência (acidentes, doenças, operações). Crianças e jovens continuam forçados a ficar em casa, impondo restrições ao trabalho de milhões de pessoas e sem perspectiva de término do ano letivo.

Uma situação assim só pode ser superada por dados confiáveis sobre quantidade de infectados, pessoas imunizadas, atendimentos diários em hospitais e postos de saúde e leitos de UTI disponíveis, tudo segmentado no nível municipal e estadual e atualizado com presteza. Em cima disso, é necessário estabelecer um planejamento que possa ser disponibilizado para toda a sociedade, que define que medidas devem ser tomadas e a partir da alteração de quais destes indicadores que devem ser levados em conta.

Na falta de uma política racional, a imprevisibilidade e a insegurança começam a se alastrar de maneira preocupante. A impressão da sociedade é de uma incapacidade generalizada de planejamento e gestão nas instituições, que devem ser capazes de absorver o impacto inicial de uma pandemia como essa, encontrar soluções para as particularidades locais e responder com altivez ao maior desafio da nossa história recente. Depois do pânico inicial, o Brasil precisa de um mapa para sair desse labirinto. Outros locais do mundo conseguiram. Por que nós, não?

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