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Bolsonaro cumprimenta apoiadores durante os protestos do domingo (15/03).
Bolsonaro cumprimenta apoiadores durante os protestos do domingo (15/03).| Foto: Sergio Lima/AFP

A forma como o coronavírus se espalhou mundo afora ofereceu uma janela de oportunidade para que o Brasil se prepare antes que a doença assuma proporções incontroláveis no país. Mesmo fora da China, epicentro da pandemia, a maior parte dos casos está no Hemisfério Norte, que está no fim do inverno, estação mais propícia à disseminação do vírus, enquanto por aqui vive-se o fim do verão. A essa altura, também já existe uma série de países que servem de bons e maus exemplos do que fazer para conter a expansão do Covid-19.

Enquanto a Itália esperou demais até tomar ações de contenção, o que teve como resultado uma explosão na taxa de contaminação que forçou o governo a colocar o país todo em quarentena, outras nações conseguiram controlar o surto graças a uma combinação de agilidade com medidas amplas e eficazes. Um caso significativo é o da Coreia do Sul, onde o uso pesado de tecnologia combinado com o acesso amplo a testes, mesmo para quem ainda não apresentasse sintomas, foi essencial para identificar os doentes e os locais onde eles estiveram, proporcionando aos demais cidadãos os meios de reduzir o risco de contaminação.

A grande ameaça da Covid-19 não é exatamente sua letalidade entre a população geral, que realmente é mais baixa que a observada em surtos passados de doenças similares, embora seja grande entre idosos e pessoas com outras doenças, como diabetes e problemas cardíacos. O que faz do coronavírus um problema sério de saúde pública é a velocidade com que se espalha. Ainda que de 80% a 90% dos casos sejam leves ou médios, a dúvida é: os 10% a 20% que precisarem de um leito de hospital ou um respirador terão essa infraestrutura à disposição?

A resposta técnica é a melhor providência que o governo federal pode tomar, e por isso mesmo em nada ajudou a atitude do presidente Jair Bolsonaro no domingo

É este raciocínio que está na base movimento denominado flatten the curve, uma referência à curva de contaminação, e que defende a adoção imediata de medidas de restrição, como o cancelamento de eventos e as quarentenas. Segundo este raciocínio, se uma comunidade continuar funcionando como de costume, o coronavírus se espalhará mais rapidamente, muito mais pessoas ficarão doentes ao mesmo tempo, e neste caso mesmo os 10% de casos graves já bastarão para saturar toda a rede hospitalar, com consequências sérias inclusive para pacientes de outras doenças. No entanto, as restrições teriam o poder de diminuir a velocidade de contágio, e com isso impedir a superlotação dos hospitais – quem precisar de um leito de UTI, seja por complicações do coronavírus, seja por outras causas, não ficaria desamparado. O efeito colateral desta abordagem seria um surto mais longo, pois levaria mais tempo até que a população adquirisse a imunidade que vem após a cura.

O grande desafio para a aplicação do “flatten the curve” é achar o momento exato para implantar as restrições e dimensioná-las adequadamente. Demorar demais compromete a liberdade individual, como ocorre na Itália; antecipar-se demais pode aprofundar as inevitáveis consequências econômicas, algumas delas irreversíveis, de todo cancelamento de evento ou suspensão de atividade. Para ficar em apenas um exemplo, o entretenimento e o esporte que são a diversão de uns são o ganha-pão de outros. Nem todos os funcionários de teatros, ginásios ou times podem contar com generosidade semelhante à de alguns proprietários de equipes de ligas esportivas americanas, que se comprometeram a continuar pagando os salários mesmo com as partidas suspensas.

A julgar pela maneira como se deu a curva de contaminação em outros países, esta semana marca o início de um período decisivo para o surto de coronavírus no Brasil, pois o número de casos pode saltar de poucas centenas para dezenas de milhares em poucos dias. Até o momento, as autoridades de saúde têm agido de acordo com critérios técnicos, usando todos os recursos à disposição, e empregando diversos meios para informar a população sobre as características e a disseminação do Covid-19.

A resposta técnica é a melhor providência que o governo federal pode tomar diante de um surto que já mostrou seu perigo em outros países. E por isso mesmo em nada ajudou a atitude do presidente Jair Bolsonaro, que, mesmo tendo regressado há pouco de viagem ao exterior com uma comitiva na qual pelo menos 13 pessoas já foram diagnosticadas com o coronavírus, foi cumprimentar apoiadores diante do Palácio do Planalto neste domingo. Violou o protocolo de isolamento, apertou mãos, pegou celulares para tirar selfies – enfim, contrariou todas as recomendações técnicas. Ainda que os primeiros testes do presidente tenham tido resultado negativo, Bolsonaro ainda será novamente examinado para certificar-se de que não foi infectado durante sua viagem aos Estados Unidos. Se estiver doente, colocou centenas de outras pessoas em risco; se não estiver, quem haverá de garantir que entre aqueles que cumprimentou também não há portadores do vírus?

Para completar a irresponsabilidade, Bolsonaro, em entrevista ao canal CNN Brasil na noite de domingo, repetiu as afirmações sobre a baixa letalidade do coronavírus (que, como lembramos acima, contam apenas metade da história), falou em “interesses econômicos” e “histeria”. Por mais que seja necessário evitar o pânico, não se faz isso alimentando teorias da conspiração e agindo de forma a desmoralizar a própria equipe do Ministério da Saúde, que vem trabalhando com diligência. Bolsonaro poderia ter prestigiado o trabalho de seu ministro Luiz Henrique Mandetta; poderia ter demonstrado a liderança que se espera do chefe da nação, coordenando uma resposta abrangente envolvendo vários outros ministérios, como os da Justiça e da Economia; poderia ter sido mais célere na criação de um grupo para gerenciar a crise. Mas, em vez disso, preferiu fazer afirmações sem nexo com a realidade e adotar um comportamento inconsequente, ciente de que ambos – o comportamento e as afirmações – hão de ser repetidos pelos seus apoiadores mais entusiasmados. Fazer pouco da abordagem técnica é caminho certo para colocar o Brasil cada vez mais distante da Coreia do Sul e mais próximo da Itália.

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