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Em agosto de 2013, a presidente Dilma Rousseff sancionou uma muito necessária lei que regula o atendimento à mulher vítima de violência sexual. No entanto, Dilma ignorou o apelo dos movimentos pró-vida e não vetou, na Lei 12.845/13, incisos que alargavam as brechas para a prática do aborto no Brasil – o que nos faz pensar sobre a sinceridade das declarações a favor da vida feitas pela então candidata Dilma em 2010. Na semana passada, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara deu o sinal verde para um projeto de lei que pretende corrigir esses erros.

O PL 5.069/2013 foi apresentado em fevereiro de 2013 – antes, portanto, da sanção da Lei 12.845. Seu objetivo inicial era criminalizar tanto a venda de produtos abortivos quanto a incitação a uma gestante para que realizasse o aborto. À medida que o projeto foi tramitando, recebeu acréscimos. Com o surgimento da Lei 12.845, percebeu-se que o PL 5.069 era o veículo ideal para corrigir os erros cometidos na lei de atendimento à mulher vítima de violência sexual. O segundo substitutivo apresentado já trazia alterações necessárias. A definição de “violência sexual” presente no artigo 2.º foi alterada para ficar compatível com o restante da legislação sobre o tema. E, no artigo 3.º, cujo caput diz que “o atendimento imediato, obrigatório em todos os hospitais integrantes da rede do SUS, compreende os seguintes serviços:”, seriam revogados os incisos IV (“profilaxia da gravidez”) e VII (“fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis”). Eram justamente esses os trechos problemáticos, que criavam as brechas para o aborto, tratando a gravidez como uma doença que exigisse “profilaxia”, e dando a entender que haveria um “direito ao aborto”.

É leviano considerar que cuidar da mulher vítima de violência sexual envolva incentivar ou facilitar a eliminação de um outro ser humano

No entanto, o substitutivo ainda trazia um erro grave, pois afirmava em seu artigo 2.º que “A prova da violência sexual deverá ser realizada por exame de corpo de delito”, submetendo a mulher a um constrangimento desnecessário. Esse equívoco desapareceu no quarto substitutivo. A menção ao exame de corpo de delito passou a figurar na nova redação proposta para o artigo 128 do Código Penal, aquele que descreve as circunstâncias em que o aborto não é punido. Uma análise apressada poderia concluir que houve uma mera mudança de posicionamento dessa exigência; um truque, um disfarce. Mas a realidade é outra. Enquanto antes o exame de corpo de delito seria exigido para que a mulher fosse atendida como vítima de violência, o que é descabido, ele passou a ser necessário para que a mulher que realiza o aborto não sofra a punição correspondente. Isso impede que gestantes façam o aborto por qualquer outro motivo e aleguem terem sido vítimas de violência para escapar das penas determinadas pela lei. Dada a crueldade do aborto, que é a eliminação deliberada de um ser humano indefeso e inocente, parece-nos uma exigência razoável.

O substitutivo aprovado na CCJ foi o sexto, e a versão final ainda trouxe outras novidades. O inciso IV do artigo 3.º da Lei 12.845, que originalmente seria eliminado, voltou com nova redação: “Procedimento ou medicação, não abortivos, com eficiência precoce para prevenir gravidez resultante de estupro”, deixando claro que a medicação oferecida à vítima de violência não pode ter efeitos abortivos. Além disso, o texto corrigiu outra omissão grave da Lei 12.845, que não previa a objeção de consciência – na prática, qualquer hospital que atendesse pelo SUS seria obrigado a realizar abortos, ainda que isso ferisse as convicções das instituições mantenedoras. Com o substitutivo aprovado na CCJ, hospitais e médicos terão seu direito à objeção de consciência respeitado.

A mulher vítima de violência sexual precisa, acima de tudo, ser atendida e acolhida. O cuidado, nesses casos, é essencial, e deve ser oferecido com todo o respeito exigido diante de uma das situações mais traumáticas que uma mulher pode viver. Justamente por isso é leviano considerar que esse cuidado envolva o incentivo ou a facilitação à eliminação de um outro ser humano. Isso seria transformar a vítima de agressão em coautora de uma nova violência, uma carga que mulher nenhuma deveria ter de suportar.

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