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O sufoco passado por brasileiros que buscavam cadastrar empregados domésticos e emitir guias no eSocial, sistema da Receita Federal para o recolhimento dos direitos trabalhistas previstos pela chamada “PEC das Domésticas”, aprovada em 2013, é um retrato perfeito do labirinto burocrático e da eficiência dos órgãos públicos nacionais. A regulamentação da lei do Simples Doméstico (como ficou conhecido o sistema) ocorreu em junho; a Receita teve cinco meses para criar e implantar a ferramenta. Mesmo assim, desde que a janela para emissão de guias foi aberta, em 1.º de novembro, o que os empregadores mais viram foram mensagens de erro após mensagens de erro. Apesar dos problemas evidentes, a Receita insistiu, até o último instante, que o prazo terminaria na sexta-feira. Apenas na véspera desse limite é que o governo anunciou uma prorrogação do prazo, que agora terminará em 30 de novembro.

“Qualidade e eficiência” – alguns dos itens que faltaram no imbróglio do Simples Doméstico – é justamente o subtítulo do relatório Doing Business 2016, divulgado no fim de outubro. Produzido pelo Banco Mundial, ele tem como objetivo medir a facilidade de fazer negócios em 189 países. E a qualidade e a eficiência que passaram longe do sistema dos trabalhadores domésticos também não são a tônica do ambiente de negócios brasileiro como um todo. O país caiu cinco posições na classificação geral: se já dava vexame com o 111.º lugar do relatório do ano passado, agora é o 116.º. Foi ultrapassado por Gana, Honduras, Indonésia, Quênia e Sri Lanka. Na América do Sul, o país está muito longe do Chile (48.º lugar), do Peru (50.º) e da Colômbia (54.º), os campeões do continente.

O estímulo ao empreendedorismo deveria ser prioridade em um país onde o desemprego é crescente

Dos dez itens pesquisados pelo Banco Mundial, tivemos progresso apenas em dois na comparação com o ano passado: a facilidade para se obter eletricidade, em que o país até faz bonito em uma 22.ª posição (embora pagar por essa eletricidade esteja cada vez mais difícil no Brasil de hoje); e o tempo e custos envolvidos na importação e exportação, embora neste item o país amargue uma medíocre 145.ª colocação, sinal da importância que o governo dá à inserção brasileira no fluxo de comércio exterior.

Mas há quesitos em que o país consegue ser ainda pior: no esforço (em tempo, papelada e custo) para se abrir uma empresa, estamos na 174.ª colocação: no Brasil o processo leva 101 dias, contra menos de um dia na campeã Nova Zelândia. Os 400 dias necessários para conseguir um alvará de construção colocam o Brasil na 169.ª posição, enquanto em Cingapura levam-se 26 dias. E não podia faltar a nossa disfuncional estrutura tributária, a 178.ª pior do mundo, com suas 2,6 mil horas necessárias todo ano para dar conta do pagamento de impostos e os 69% de alíquota total de imposto sobre os lucros. Contraste gritante com o Catar (41 horas e 11,3% de alíquota) e os Emirados Árabes Unidos (12 horas e 15,9% de alíquota), que dividem a primeira colocação.

Os números do relatório revelam o quão heroico chega a ser o trabalho de um empreendedor no Brasil. Ele precisa vencer não apenas a burocracia infinita demonstrada pelos dados do Banco Mundial, mas também outros fatores que não podem ser medidos, como o ressentimento ideológico que vê em todo e qualquer patrão a encarnação do mal, e uma cultura que considera o sucesso uma ofensa pessoal, para citar a famosa frase de Tom Jobim.

O estímulo ao empreendedorismo deveria ser prioridade em um país que vê cair mês após mês o número de trabalhadores empregados com carteira assinada. O dinheiro recebido em rescisões que poderiam ser usadas como o pontapé inicial de um novo negócio – que, por sua vez, teria potencial gerador de novos postos de trabalho – deixa de ser empregado dessa forma quando o candidato a empresário se vê diante de obstáculos muitas vezes maiores que sua disposição de começar uma empresa. Uma rápida passada de olhos pelos líderes do ranking do Banco Mundial deixa clara a correlação existente entre um ambiente amigável para negócios e a prosperidade econômica dos países que fomentam esse clima. Se o Brasil quer entrar nesse clube nas próximas décadas, é preciso começar a mudança agora.

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