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 | Brunno Covello/Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Brunno Covello/Arquivo Gazeta do Povo

O programa Mais Médicos, implantado em 2013 com o objetivo de levar médicos estrangeiros a locais onde havia pouca ou nenhuma oferta de profissionais, sofreu uma grande reviravolta na quarta-feira, dia 14. O governo cubano anunciou que chamaria de volta todos os cerca de 8,5 mil profissionais daquele país que atuam no Brasil, e que correspondem a mais da metade de todo o contingente do Mais Médicos. A ditadura cubana entrou em rota de colisão com o presidente eleito, Jair Bolsonaro, que desde a campanha vinha prometendo submeter todos os cubanos ao Revalida, o exame que médicos estrangeiros precisam fazer para trabalhar no Brasil, com exceção daqueles que integram o Mais Médicos.

O Mais Médicos sempre esteve cercado de controvérsia desde o início, especialmente por dois aspectos: o fato de o Revalida não ser exigido e, principalmente, o absurdo sistema de pagamento estabelecido entre o governo Dilma Rousseff e a ditadura cubana. Enquanto todos os demais estrangeiros recebiam integralmente os valores a eles prometidos, os cubanos ganhavam apenas uma fração do dinheiro, em uma triangulação com a Organização Panamericana de Saúde (Opas). A maior parte do salário ficava com o governo cubano – o porcentual exato recebido pelo profissional nunca chegou a ser conhecido graças a cláusulas de confidencialidade, mas as estimativas giravam em torno de 30%. Bolsonaro falou em 25%, mas Ramona Matos Rodríguez, a primeira médica cubana a desertar no Brasil, disse ganhar apenas 10% do valor pago a colegas de outras nacionalidades.

Vários médicos buscaram escapar das garras do governo cubano, seja pela fuga pura e simples, seja pela via judicial

Esse tratamento desigual – mais que um desrespeito à lei trabalhista, uma flagrante injustiça – foi infelizmente referendado pelo Supremo Tribunal Federal em novembro de 2017, durante julgamento de ação em que a dispensa do Revalida também foi considerada legal. Contra o entendimento do relator, o ministro Marco Aurélio, acompanhado apenas por Rosa Weber, seis outros ministros se basearam no fato de, tecnicamente, a remuneração dos médicos ser uma bolsa, e não um salário. Alexandre de Moraes, que abriu a divergência, chegou a dizer que “aqueles médicos que se inscrevem já sabem as condições da bolsa”. Chega a surpreender o formalismo do voto, que não percebeu a realidade básica da quebra de isonomia que ocorre quando uns recebem integralmente o valor devido – independentemente do nome formal que esse pagamento tenha – e outros, apenas uma pequena parcela do valor, para realizar o mesmo trabalho, nas mesmas condições. Trata-se de uma grande afronta à dignidade do médico.

O raciocínio de Moraes, ao deixar implícito de que os cubanos que vieram aceitaram as regras do jogo, ainda ignora outro fato evidente: os cubanos não são agentes totalmente livres. Eles, na verdade, são reféns de seu governo, impedidos de trazer suas famílias ao Brasil e vigiados por agentes da ditadura caribenha. E o Brasil foi, por muitos anos, conivente com esse modelo que violenta a liberdade individual.

Leia também: Os cubanos querem ficar (editorial de 19 de abril de 2017)

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Tanto é assim que vários médicos buscaram escapar das garras do governo cubano, seja pela fuga pura e simples – caso de Ramona, que precisou se esconder em um gabinete parlamentar –, seja pela via judicial, com pedidos de liminar para que os médicos não fossem forçados a retornar à ilha-prisão dos Castro e de Miguel Díaz-Canel. Esse movimento chegou a levar o governo cubano a suspender o envio de novos médicos para que não fossem “contaminados” pelo “mau exemplo” dos colegas rebeldes. Com a decisão de chamar de volta todos os médicos cubanos, é possível que tanto as deserções quanto os pedidos de proteção por via judicial se intensifiquem.

O impacto dos cubanos em comunidades pobres brasileiras ao longo da vigência do Mais Médicos é substancial; são inúmeros os relatos da gratidão da população a esses profissionais, que se dispuseram a atender brasileiros nos rincões mais distantes quando ninguém mais queria fazê-lo. A a saída abrupta de milhares de médicos não deixa de ser um baque para quem era atendido por eles. A esquerda brasileira, aliada de Cuba, certamente explorará o fato para desmoralizar o futuro presidente diante das populações que deixarão de ser atendidas. Mas o fato é que a decisão veio de Cuba, não de Bolsonaro; ele, inclusive, manteve a porta aberta a esses profissionais. Em entrevista coletiva, Bolsonaro levantou a possibilidade de concessão de asilo político aos cubanos que o solicitassem, o que seria um primeiro passo necessário para sua permanência no país. Eles poderiam passar por processos de qualificação e, finalmente, poder exercer a medicina livremente no Brasil. Assim, o Mais Médicos poderia continuar a cumprir seu objetivo público, o de proporcionar atendimento a quem dele carecia – se possível, com ajuda cada vez mais dos próprios médicos brasileiros –, sem o objetivo oculto estabelecido por Dilma, o de ajudar financeiramente uma ditadura que desrespeita os direitos humanos mais básicos e que, com a atitude tomada agora, mostra que se importa apenas com o dinheiro que entra nos seus cofres, e não com a saúde dos brasileiros.

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